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terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Um programa?Declaração de princípios?...

“Maria Lacerda de Moura ainda não se encontrou a si mesma”.
“desconfio que Maria Lacerda não sabe exatamente o que quer...”
“Pertence a algum partido? Qual é esse partido?”
“Que deseja afinal essa Senhora?”
“Que reforma propõe essa publicista?”
“Qual o seu programa?”
Essas e outras muitas objeções fazem os “críticos” de ataques sistemáticos a tudo quanto escrevo.
E como tais perguntas e tais conceitos se multiplicam no meu caminho, respondo, de maneira geral, aos má vontade de compreensão ou a sua impotência de chegar a outra harmonia diversa da sua harmonia.
Geralmente os que me agridem não me leram. Si me leram, não me quiseram compreender.
Certos agressores cometerem a ingenuidade de confessar não haver lido o livro atacado. Foi o titulo que os impressionou desagradavelmente. Outros voltam atrás, com coragem, e, confessando o engano, tornam-se meus amigos.
Todos me conhecem pelo que ouviram dizer... de mal ...
Houve quem me visse com um facho aceso á frente da multidão que incendiou “Il Piccolo”, descabeladas, gritando como possessa, incitando aos estudantes e dos populares. E todos sabem que eu estava em Guararema, a 2 horas da capital e que só vim a saber do ocorrido no dia seguinte, pelos jornais da tarde de 24 de Setembro.
Uns são inimigos sistemáticos sem nunca-me terem visto, sem conhecerem uma só pagina dos meus escritos.
Alguns me elogiam, si ouvem elogios dos presentes e me atacam agressivamente, si sou agredida... Alguns fogem, quando presentes agressão, e aparecem para colher os louros... E a maledicência não falta.
E não há meio termo: ou o entusiasmo incondicional ou a agressão incondicional. E a calunia.
Que não encontrei a mim mesma? Quem é que já se encontrou a si mesmo, sob o Sol?
Quem poderá dizer: “eu sou o caminho, a verdade e a vida”?
As palavras de Cristo foram deturpadas pelos padres. Cristo deveria ter pronunciado esta verdade profunda: “Que cada um siga o seu caminho, a sua verdade e a sua vida, tal como eu tenho o meu caminho a minha verdade e a minha vida.”
Quando eu me encontrar a mim mesma serei um Deus realizado. Só encontraram a si mesmos por sobre a terra, os padres, os políticos profissionais os pensadores rebanho – tontos de vaidade, pesados de orgulho, trôpegos de presunção intelectual, dobrados, seguros de si mesmos, infalíveis e jactanciosos.
Só sabem exatamente o que querem – esses políticos, os “profiteurs”, da imprensa, os armamentistas, os comerciantes, os industriais, as mensagens dos pais da pátria, os caftens, os “gigolos”, os sacerdotes; a Igreja Católica Romana, os imperialismos yankee, britânico e mussolinesco, o papa Tacchi Venturi – o chefe dos jesuítas, as associações de “ boxeurs”, os militares, o “coronel”, as embaixadas diplomáticas, Hither, “L’Accion Française”...
Todas essas cousas e toda essa gente tem um programa definido, sistematicamente traçado e de realização pratica, baseado no dinheiro, no poder ou na astucia – para engordar aos papalvos, organizar. Mobilizar o rebanho social para mais facilmente explorá-lo, mandar, tiranizar, roubar, assaltar, vencer, domar, ganhar, gozar, saquear, salvar...
Todas essas cousas e toda essa gente tem um plano delineado no papel ou no “ring”, sempre versus...
Mensagens, programas, apostolados ingênuos ou maroteiros, reformadores, manifestos, cornucópias de esperanças, de liberalidades, de promessas de felicidades e de bem estar social – só sabem tranbordar os partidos políticos ou religiosos, os demagogos, os oradores populares, os donos da humanidade escravizada: padres, espirantes a reinos, impérios, republicas ou academias, os candidatos ás Constituintes... as casa lotéricas, as feiticeiras e as cartomantes...
Não é de agora que se exige de mim um programa ou a ingressão “corajosa” em um partido.
Que me defina! Que sele o meu nome com determinado rotulo afim de que possa ter “autoridade”... Que carregue o poso de uma chapeta e o exílio indispensável de duas muletas sociais. Que me batise finalmente. Preciso completar-me. Fazer parte de um partido é ter amigos e defensores incondicionais, E’ estar, docilmente, servilmente, domesticadamente ao lado de alguém. E’ ter valor, portanto, é ter “autoridade”...
Despresar as muletas e os partidos é ser atacado por todos, é ser “voz isolada”, “voz única”, “irrefletida”, “despercebida” do rebanho social acarneirado no redil da imbecilidade e da covardia.
O “individualista da vontade de harmonia” não faz programa nem para si nem para os outros.
Com relação á minha vida interior, sei o que desejo, sei o que quero.
Com relação a minha vida social, sou anti-social, nem sei, nem me interessa saber. Destaco os indivíduos do bloco social. Em relação á sociedade, sei o que não quero.
A minha ética repele os partidos, os programas, toda a moral social.
Não sou advogado, não sou político, não me interessa a “populaça de cima” e nem a “populaça de baixo”.
Observo, analiso, critico, exalto, não mando, não dirijo, não exijo, nem mesmo peço ou procuro persuadir, não me preocupo com as soluções para os problemas. As soluções ficam bem aos matemáticos, aos sentimentos dos padres e das beatas, á profissão dos advogados e ás mensagens prometedoras dos políticos, aos programas sectários fora dos quais não há salvação e aos romances da gente honesta em que são castigados os vícios, em que é premiada a virtude...
Não sou revolucionaria no sentido da revolução para uma organização social mais equitativa. Já tive sim essa ilusão.
Cheguei porem, á convicção, ou aprendi a tempo que os homens, em nome do amor e da justiça, em nome da Solidariedade Humana, em nome da Fraternidade Universal, em nome da Liberdade, da Igualdade, em nome de Deus, em nome das Cruzadas Religiosas, Em nome do ídolo da Honra, em nome do Direito, da Pátria, da civilização se estraçalham como animais ferozes. Pregando o advento da Paz, fazem as guerras.
Ora em torno de princípios políticos, sob o comando dos reis, dos democratas ou dos padres, ora em torno das religiões, sob o comando dos padres, dos democratas e dos reis – aliados incondicionais de todos os tempos e de todas as pátrias e de todas as nações, - as multidões se trucidam para obter o “bem estar social”, afim de estabelecerem as formulas... Da Liberdade, do Amor e da Justiça, em sociedades idealizadas na santa Paz dos seus sonhos de obediência servil...
Convenço-me cada vez mais de que “o ódio não mata o ódio, o ódio só morre com o Amor”.
A violência é mãe e filhada violência. A guerra só traz a guerra e a revolução é a sementeira de outras revoluções.
Não-violência, mas “suprema-resistencia” ás forças negras do passado reacionário.
Não houvesse tanta covardia...
Procuro a minha harmonia interior: é o único programa que se cabe a formular.
Mas, tão vasto é esse programa, tão profundo, tão complexo, tão alto, tão nobre, que deixa de se pontificarem um programa para se desdobrar pelo infinito e pela eternidade, além do tempo e para alem do espaço.
A Vida não cabe dentro de um programa escrito pela imbecilidade social, não pode encerrar-se em universidades, em academias literárias, cientificas ou filosóficas, não pode fechar-se em um partido, em uma doutrina, em um sistema religioso, em a moral social.
As necessidades humanas teem as suas origens nas criptas profundas do Eu e não são leis mesquinhas dos homens ou as suas teorias, as suas doutrinas, os seus partidos ou seus programas que hão de solucionar ou pelo menos o programa da Vida.
E os homens, da sua impotência, da sua limitação sensorial, da sua pequenez, da sua insignificância sectarista, da sua pequenez, da sua maravilhosa inconsciência, da sua formidável ignorância, da sua ambição desmedida, tecem um padrão de gloria: o heroísmo dos partidos, das seitas, das bandeiras, dos programas.
Quem se não encerrar dentro desses limites – é acusado para possível desmesticidades dentro dos inúmeros redis, sistematicamente divididos em rebanhos a obedecer a determinados senhores ou programas.
O meu programa, repito, seria a busca incessante da minha harmonia interior, é a “vontade de harmonia”, e, si ás vezes uma nota dessa harmonia criatura, realizo uma beleza maior, sonho um sonho mais alto.
Si não consigo essa realização, pelo menos conto dentro de mim mesma esse delo e generoso individualismo, delicado e forte, do meu acordo interior – para uma sinfonia mais empolgante...
“Uma voz foi feita para falar”, como o Sol para aquecer e iluminar. Si a minha harmonia choca-se com a brutalidade do ódio ou do sarcasmo da aspereza rija de outra linha de evolução, que não é da minha, que culpa cabe a mim? Si deturpam, que tenho eu com isso?
Também o Sol, si acende o Iris magnífico na gota pura do orvalho ou aquece a velhice enferma ou ilumina o rosto da criança ou as flores da primavera ou si brilha no olhar de fé do idealista ou no reseo de uma face penetrada de juventude e exaltação, também o Sol vivifica o paúl e faz viçosa a planta que mata e alimenta o silvo da serpente e aquece a virulência do micróbio da peste.
Essa é a conclusão ryneriana do individualismo da “vontade de harmonia”.
Sou humana: é já é um programa, o programa universal da solidariedade biocosmica, programa eterno e infinito.
Prefiro dissolver no vasto programa da Vida a limitar-me para ser agradável ás ambições e á vaidade dos homens, sufocando as minhas aspirações de liberdade nos programas insignificantes dos partidos, das seitas, religiões, ou da concorrência social sob qualquer aspecto.
Só a insuficiência mental pode limitar o horizonte da visão da Vida.
Mas, si a mente humana finita, a razão e a ciência têm limitado o campo desse portentoso raio visual, em compensação, podemos alar os nossos sonhos em hipóteses acariciadoras e imaginar tudo quanto possa alcançar a imaginação em busca do infinito e do eterno, alem do tempo e do espaço, através da sabedoria subjetiva, libertadora e humana a que damos o nome de divindade interior.
Para a fatalidade social, o estoicismo – esse “ positivismo da vontade”, na expressão de Han Ryner.
A tirania social não depende de mim. Não posso, pois, formular programa deante de uma fatalidade “inevitável como a morte”.
Mas, as coisas que de mim dependem para não ser algoz ou cúmplice dessa tirania, na medida possível do meu esforço; tudo quanto for alicerçado por sobre o Amor – a lei máxima da gravitação universal concebida pela nossa mente pela liberdade humana: tudo que depende da minha vontade segundo a classificação de Epicteto: minhas opiniões, meus desejos, minhas ações, meu caráter em suma, meus sentimentos – tudo isso – conhecer-me para me realizar, realizar-me “ para aprender a Amar”, é o que constitue o meu programa.
Não posso, não devo, não quero perturbar à liberdade de outras evoluções, de outros desejos, de outras ações.
Termina o meu direito á liberdade onde, precisamente, começa o direito de outra liberdade.
Procuramos iluminar a mim mesma afim de contribuir para o despertar de outra consciências, para cada qual solucionar, por si mesma, o seu problema, não é exigir a submissão nem pretender impor as idéias ou os sonhos.
O meu individualismo não é o dos “super-elefantes” nietzschenianos, não é o dominismo da “vontade de poder.”
E “em que as desigualdades naturais justificam as desigualdades sociais”?
O programa de um ou da minoria cerceia a evolução da muitos, e, se comete o crime de cercear a evolução de um só, já é atentado á liberdade individual, ao direito humano, ás necessidades naturais do homem.
Para os loucos e para os degenerados paranóicos há o recurso das casas de saúde...
O único programa digno do homem livre é a divisa inscrita do templo de Delfos, a que a sabedoria profunda e amorosa de Han Ryner acrescentou: “... para aprenderes a amar.”
E os partidos políticos, religiosos ou sociais incitam as paixões, ateiam o incêndio do ódio e adormecem a sufocam as consciências.
No programa da evolução interior está, em primeiro capitulo o protesto consciente e forte e heróico, em quaisquer circunstancias, contra as guerras e o cabotinismo das fronteiras e da paz armada e dos pactos Kellog, o dever de protestar, com todas as forças da consciência, contra todas as causas de conflitos entra homens.
Por isso, repito: não sou advogado, não sou capitalista, não sou sarcedote, não sou político, não sou acadêmico, não sou comunista nem socialista, não pertenço a nenhuma grei, embora todos os nomes batismais com que me desfavorecem os críticos.
Não tenho programas pra reformas sociais, literárias ou religiosas.
Viver a mente em harmonia com o coração e procurar realizar na vida, a criatura ideal que o cérebro concebe e o coração sente em uma sociedade melhor, viver o que a imaginação generosa é capaz de sonhar no individuo superior, humano, é programa inexeqüível para os que apresentam programa... para os outros.
E a minha mente finita – busca no Eterno e no infinito da minha vida subjetiva, procura tirar das criptas profundas da super-consciência, essa nota da Harmonia Universal perdida nos abismos de luz e sombra da alma humana.
O programa da Vida em toda a sua plenitude é o programa da liberdade integral, é o programa do Direito Humano dos que soluçam e cantam e aspiram a um sonho, mas alto de Amor e de Beleza.
E’ o programa da Solidariedade Humana – para a vontade de Harmonia.

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Nunca ninguém me viu num bordel num “Cabaret” ou num “Cassino”. Desafio.
E “senhoras” recém-casadas, brasileiras, virtuosas consortes de cavalheiros respeitáveis, da “boa” e da “alta” sociedade, que os freqüentam aqui, na Europa ou no Prata, ao lado dos maridos, me teem convidado para ir ver de perto a sociedade “chic” dos bordéis elegantes. Sempre me recusei. Não os conheço. Nem os daqui, nem os de Buenos-Aires. E denominaram o meu gesto de puritano... E são eles os puritanos, moraliteistas, defensores da sociedade constituída. Não. Eu me não poderia divertir ao lado da dor inominável da prostituição mascarada de alegria desbordante – exposta nos mostradores dos salões, a sensibilidade e o coração das mulheres pendurados aos harpéos dos magarefes desse comercio desalmado.
Nunca fui nem mesmo “para estudar”... “para observação psicológica”, como vai “toda gente” de espírito...
Para que?
Conheço por demais até aonde podem ir às misérias humanas, quase sem ter tido contato em elas.
Meu pobre pensamento me aferroteia na angustiosa inquietação da dor social. Não é mais preciso esverrumar uma chega que sangra.
Deixo aos cristãos piedosos e caridosos, ás senhoras religiosos, todos defensores da sagrada instituição da família, essas espécie de distração elegante – tomar champagne ou nos “cabarets” chics e jogar nos salões dourados da fina flor dos “Cassino” de luxo... Os bordeis do “bas-fond”,também freqüentados nas grandes metrópoles pelas damas virtuosas das “sociedades de espírito”, como os bordeis de alto bordo chamados “Club” ou “Cassino” ou “Hotéis” ou “cabaret” são como atrativos indispensáveis para a ociosidade sensual das famílias bem constituídas, abençoadas pela Religião, registradas pelo Estado. E os intelectuais que os freqüentam e que tomam parte em todas essas diversões da “gente de espírito” e “emancipada”, são eles os noticiaristas puritanos dos fatos policiais em que delegados que fazem “desgraçada” uma menina nas salas de despacho dos comissários da policia. São eles que denunciam como culpada a mulher assassinada pelo marido, pelo amante ou pelo irmão, porque não soube guardar e respeitar a “honra” de toda a família... São os que enchem a boca com as formulas de Deus! Pátria! e Família!
Farsa representada para a imbecilidade milenar dos domesticados da Rotina. E são eles, é a gente de espírito, a gente elegante e “fina”, são essas senhoras, as “coureuses” de diversos desses gêneros, nos “réveillon”, no Carnaval, nos bailes modernos, são esses mesmos os que fazem a caridade nos salões e sustentam os edifícios suntuosos dos templos católicos, os Asilos do Bom Pastor (!) e os colégios religiosos, e defende encarniçadamente a moral dos bons costumes e a sacratíssima instituição da família.
E’ natural e lógico. A prostituição é um dos esteios mais poderosos da moral religiosa. A’s colunas sociais – governos, capital, militares e clericais – é preciso acrescentara coluna central – a prostituição.
E’ a razão por que toda a sociedade elegante, toda a fina flor do parasitismo dourado espouca champagne e brilha o espírito nos salões feéricos onde reinam as prostitutas profissionais e a alta prostituição das negociatas e das intrigas de diplomacias secreta. E’ no “Cabaret”, é no “Cassino”, é nos hotéis das praias elegantes que as quatro primeiras colunas sociais solidificam a solidariedade das suas formulas de defesa: Deus, Pátria e Família!
Apóiam-se na coluna central – a prostituição.
Admirável organização social!
Toda esta sociedade não passa de um imenso bordel de vampiros da consciência e proxenetas da razão humana.
Perscrutar até aonde vai a imbecilidade e o acarneiramento de “toda gente”, procurar sentir toda a insolência da perversidade organizada em partidos e programas – para acarneirar, acuar, imbecilizar e explorar – já não será um programa... social?


Extraido do livro: Amai e... não vos Multipliqueis
Autora: Maria Lacerda de Moura
Editora: Civilização Brasileira
Ano: 1932
paginas: 11 á 23

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