Pesquisar este blog

domingo, 29 de maio de 2011

A figura de Maria Lacerda de Moura

O ano de 1922 marca o começo de uma luta entre ex-companheiros, que haveria de produzir cisões incuráveis.
Mas, nesse ano conturbado, nem tudo foi ruim para os anarquistas.
Maria Lacerda de Moura declara guerra à burguesia e à igreja, dentro dos anseios libertários.
Nascerá em Manhuaçu, Minas Gerais, a 16 de março de 1887 e no ano de 1904 diplomava-se professora, com 17 anos de idade. Já então traduzia Lechâtre, por influência de seu pai, o que deve ter cimentado as idéias anti-clericais que a acompanharam até seu ultimo dia de sua vida, a 20 de março de 1945, na cidade do Rio de Janeiro.
Seu primeiro contato com o sofrimento do próximo aconteceu em 1908, quando foi visitar uma favela na encostada do morro. Sentiu, então, a miséria trágica, escondidas sob os barracos de lata e de taboas de caixotes. Ali decidira lutar pela substituição daquelas pocilgas imundas por casas correu à ajudar, à associação de esforços, e uni-se com outras mulheres para, dentro em pouco, construírem 22 casas na encosta da Colina de Barbacena, que ganha o nome de “Vila Dom Viçoso”.
Mas isso era muito pouco para satisfazer a jovem idealista. Assim, nos anos de 1908 e 1921, declara guerra ao analfabetismo, fundando, com ajuda dos oficiais do Colégio Militar, a “Liga Contra o Analfabetismo”, publicando, no ano de 1918, o seu primeiro livro “Em torno da educação”, obra que recebeu elogios de mestres como José Oiticica, no Brasil, e de José Ingenieros, no exterior. No ano seguinte, lança mais duas excelentes obras: “Porque Vence o Porvir” e “ Renovação”.
Minas Gerais tornava-se pequena demais para tão grande talento, fervilhando ideais. Vem para São Paulo, em 1921. Suas convicções ideológicas não aceitavam mais os limites estaduais nem fronteiriços, atingiam a sua grande Pátria – o Universo!
Escreveu os livros: “A Fraternidade e a Escola”, 1922; “A Mulher Hodierna e o seu Papel na Sociedade”, 1923; “Lições de Pedagogia”,1925; “A mulher é uma Degenerada?”, 1924 (réplica cientifica a Miguel Bombarda) ; “Civilização, Tronco de Escravos”, 1931; “ A Religião do amor e da beleza”, 1933; “Clero e fascismo” 1923; Ferrer e o Clero Romano”. 1934, “Educação Laica”, 1934; “Clero e Estado”, 1931; “Amai-vos e não vos Multipliqueis”,1931; “Serviço Militar Obrigatório para a Mulher”-“Recuso-me Denunciar”, 1937; “Português para os Cursos Comerciais”, 1940; “O Silêncio”,1944.
Suas obras, sua colaboração na imprensa operaria e libertaria – além dos jornais diários – suas conferencias, sua participação ativa no momento social, suas andanças pela America Latina e suas traduções, dizem bem da personalidade, da grandeza dessa mulher libertaria, que foi Maria Lacerda de Moura (*).
Ainda em Minas, faz-se ouvir em defesa da mulher relegada pela sociedade instrumento sexual. Aceita convite da “Federação Operaria Mineira”, e pronuncia Confederências em sua sede, exaltando a necessidade de uma escola nova, para concluir:
“A escola que conhecemos, com o dogmatismo ferrenho dos mestres de cátedra, a escola antiga, tem de ceder lugar à escola nova, revivida dos velhos princípios, a escola idealizada pelos sonhadores de outra era, a escola de Ferrer, La Ruche, Montessori – onde o sentimento da fraternidade existe, onde a liberdade é cantada no hino da vida, onde a igualdade é a lei natural”.
“A questão social, a questão do bem estar para todos, resume-se no seguinte: 1.°) Formar um núcleo de resistência feminina, cujo objetivo será protestar contra a escravidão da mulher, trabalhar para a reivindicação dos seus direitos e para a sua emancipação mental. 2.°) Pregar e exigir e a educação popular, a instituição obrigatória, a educação racional feminina por todo o país. 3.°) Trabalhar para a criação de uma ou mais universidades femininas, sob esses moldes, a fim de reparar o pequenino exercito das trabalhadoras que deverão sair do interior em demanda de outras mulheres de boa vontade, educando-as num sonho de Paz futura para toda a gente. 4.°) Abrir escolas do caráter e da vontade, escolas que despertem iniciativa, escolas de força moral, porquanto “é a moral que conduz o mundo”, no dizer de Binet. 5.°) Promover o estudo da psicologia, das forças ancestrais, da higiene da fisiologia, da educação e da ética, das ciências enfim, da filosofia, das artes – para o conhecimento da humanidade e das leis evolutivas em favor da beleza e, da perfeição dos costumes. 6.°) Trabalhar pala palavra e pelo exemplo para dar à criança, fazendo crescer na juventude a necessidade de ideal mais amplo – de justiça e igualdade entre os homens. 7.°) Falar, pregar e protestar contra as mentiras convencionais, contra a hipocrisia protocolar, detestar a política. 8.°) Pregar a Paz, abominar a guerra, ampliar o amor da Pátria, fazê-la atravessar as fronteiras e olhar a Humanidade de uma só vez, abrangendo as nacionalidades como membros da família humana”.
Na longa aula da mais apurada percepção psicológica, do mais fino teor cultural e humanista, a escritora anarquista concluía dizendo:
“Trabalhemos pela civilização de amanhã, para a moral natural, para a solidariedade entre todos os homens desta imensa pátria que é o Universo inteiro.
Eia, Mocidade de meu país, força viva!
A coroa louros do heroísmo se ajusta esplendidamente à vossa cabeça luminosa de aspirações, ébria de vida, pujante de seiva. Avante!
Caminhai para o ideal que ressalta do vosso coração impetuoso num sonho dionisíaco de Beleza, para o amor – única energia capaz de fazer reerguer, desses escombros, a bandeira da Fraternidade Universal!”(**)

(*) Além dos seus livros, pode-se encontrar referências sobre Maria Lacerda de Moura, no Livro “bom Tempo”, de Afonso Schimidt; nas paginas de “Voluntad’, jornal do Uruguai, onde se publicou (outubro de 1956.) excelente biografia. Na Revista “Cenit”, de Toulouse, França, n.° 49 – janeiro de 1955.

(**) Do jornal “O proletário”, órgão de imprensa da Federação Operaria Mineira” – Juiz de Fora, 6-11-1920 – n.° 23, ano 1.


Extraído:livro: Novos Rumos Pesquisa Social 1922-1946
Autor: Edgar Rodrigues
Editora: Mundo Livre
Ano:1978
Pagina: 49 á 52

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Socialismo: Ponto da Doutrina

Socialismo: Que foi? A que está reduzido?


Saído fora da especulação dos filósofos, do sonho dos utopistas, das revoltas da plebe, o socialismo anunciou-se ao mundo como uma boa nova da era moderna. Era ele uma promessa de civilização superior; era a rebelião contra toda a prepotência, contra toda injustiça; era abolição do ódio, da concorrência, da guerra; o triunfo do amor, da cooperação, da paz; era o advento da liberdade e do bem-estar para todos; a realização no futuro daquele éden que a fantasia dos povos e os poetas cheios de idéias ignorantes da historia tinha colocado na origem da humanidade.


Era a luta humana por excelência, e levando-se por sobre as pátrias e as raças, sobre as religiões e as escolas filosóficas, sobre as classes e as cartas, abraçava a todos os homens e mulheres nem santo ideal de igualdade e solidariedade. Não pedia a substituição de um partido por outro ou de uma classe por outra, nem por um advento do poder e à riqueza em um novo estado social, mas sim, a abolição das classes, a solidarização de todos os seres humanos no trabalho e no aproveitamento em comum. E os socialistas eram apóstolos, confessores e mártires. Sentiam levar em si mesmos um mundo. Tinham a consciência tornava os intrépidos, valentes e bons.


Ignorantes ou doutos, jovens ingênuos ou velhos restos de outras batalhas, parte escolhida do proletariado ou filhos da burguesia rebeldes à classe em que tinha nascido – que os seus privilégios de berço consideravam-nos como uma dívida que lhe impunha maiores deveres para a causa dos deserdados- eles tinham fé no bem e em si mesmos; amavam o povo; estavam ansiosos de ciência e de lutas; e firmes e decididos afrontavam as ironias e as calunias, as pequenas e as grandes perseguições, os cárceres, o desterro, a miséria, o patíbulo marchando sempre para frente.


Empenhados numa luta de morte contra todas as instituições políticas, econômicas, judiciais e universitárias do mundo burguês, chocando com todos os interesses e tanto prejuízos, devendo resistir a seduções e ameaças de todas as espécies, eles, tanto por repugnâncias natural contra os exploradores e mistificadores do povo, como pela tática de combate, separavam-se completamente de todos aqueles que não eram povo e não combatiam pela emancipação integral do povo.


Sós contra todos, escreviam em sua bandeira as palavras das consciências íntegras, ou palavras dos que têm fé em si e em sua própria causa, as palavras sagradas dos dias de batalha: “Quem não está conosco está contra nós”. E entendiam que estavam com eles todos os míseros, todos os oprimidos, todas as vítimas e todos aqueles que faziam própria a causa dos míseros e combatiam pela justiça, pela liberdade e pelo bem-estar geral, como sabiam que estavam contra eles todos os detentores e sustentadores e poder e todos aqueles que ao poder aspiravam.


Outro socialismo, outros socialistas não existiam.


E agora?


Agora existe um socialismo que serve para enganar o povo com promessas vãs, para mantê-lo dócil ou para que lhe sirva de escada; e há socialistas que se inclinam ante os ministros, que mentem aos companheiros, que prostituem ideais, consciências e programas para arrancar aos ingênuos um voto que os possa fazer escolher no seio da burguesia.


Ó socialistas atuais, homens simples e puros e quem ferve no peito o santo amor pelos homens!... Ó socialistas que pela adulação de falsos amigos defendestes os interesses da burguesia! Não vos envergonhais vendo a vossa bandeira arrastada no lodo.


Oh, não! Estes comerciantes do voto, estes comediantes da política já perderam a capacidade de se envergonharem. E vós, os que conservais ainda são vosso coração, regressai, se ainda podeis, ás varonis batalhas que expulsaram do mundo a propriedade individual e o governo, a miséria e a escravidão.



Errico Malatesta