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domingo, 9 de outubro de 2011

ERNESTO, UM COMERCIARIO, NOSSO PRIMEIRO MILITANTE

A primeira categoria de trabalhadores que se organiza em associação em Porto alegre, para a defesa de seus direitos, é a dos comerciários. Sua trincheira é o clube caixeiral Porto-Alegrense, fundado em de novembro de 1882. Os caixeiros trabalhavam de sol a sol, sete dias por semana. Daí a primeira grande luta e conseqüentemente a primeira vitoria dos trabalhadores gaúchos: a conquista da Lei de Fechamento de Portas, Conseguida em 1884, espécie de Lei Áurea do balcão, que obrigava os comerciantes locais a darem folga aos operários, nos domingos.

Esta conquista se deve a um balconista de farmácia – Ernesto Silva, nosso primeiro dirigente operário, um adepto do mutualismo, uma das correntes mais antigas do anarquismo, com raiz ideológica nos textos de Pierre-Joseph Proudhon. Além de dirigente, ele também pode ser considerado nosso primeiro militante da causa proletariado.
Seu nome completo era Ernesto Francisco de Souza e Silva. Nasceu em Porto Alegre, no bairro Belém Novo, em 16 de Janeiro de 1855, filho de Justiniana Silva e Eleutério Francisco de Souza e Silva. Foi poeta teatrólogo e depois farmacêutico prático. Usou o pseudônimo de Nestor em seus trabalhos literários. Se assinava Ernesto Silva .
Seus primeiros textos em defesa de sua categoria profissional foram publicados no semanário Social, em 1874, editado aqui por Joaquim Alves Torres (1883-1910), jornalista, teatrólogo e amigo. Em 1877 editou a revista Colibri e, em 1878, Caixeiro, em cujas páginas colocou com clareza a situação absoluta escravidão em que viviam os comerciários. Em 1880 editou O Telefone. “Foi assim que Ernesto Silva escreveu bons contos, narrativas agradáveis, quantidade de versos excelentes, dramas e comédias e muitos artigos doutrinários, a maior parte deles em prol da classe a que pertence e nos quais revelou habilidade, pois enchia-se de argumentação vigorosa, tornando-os em razão disso convincentes”, informa Alves Torres em O Atleta, de 1° de novembro de 1885.
Diz a mesma fonte: “Ernesto Silva foi em Porto Alegre um dos primeiros que advogou a modesta e distinta casse dos caixeiros. Pugnou com fervor pela sua união. Demonstrou a necessidade de congraçarem-se para o benefício de todos. Em 1882 pôs-se à frente da mocidade caixeiral e alentado, intrépido, disposto aos obstáculos que se opusessem, propôs a criação do Clube; e esse ideal dos caixeiros, esse ideal que lhes parecia sempre uma utopia, deveu sua realização à máscula vontade de Ernesto. Fundou-se o Clube Caixeiral e coube a ele, por direito, por justiça, a honra de presidi-lo.”
A categoria estava unida e tinha a sua organização vencida esta etapa, era hora de partir para luta pelo descanso semanal para os trabalhadores de balcão. Era preciso levar essa luta para além dos muros profissionais. Ernesto Silva funda, então, O Atleta, porta voz dos balconistas da cidade, cujo o numero inicial sai em 7 de novembro de 1883. Órgão declaradamente mutualista, tinha por lema instrução e Beneficência.
Com a pressão que se cria e com a ajuda do pequeno comerciante português Antonio Correia de Souza Peixoto, um ano depois era conseguida polemica Lei de Fechamento de Portas, na realidade um parágrafo incluído no Código de Posturas Municipais e que só entrou em vigor efetivamente em 1885, mesmo assim muito claudicante, uma vez que o presidente da Câmara de Vereadores – Felizardo José Rodrigues Furtado – era comerciante, profissão também de outros vereadores metropolitanos.
Vencida esta batalha, Ernesto Silva se transferiu para São Leopoldo, onde estabeleceu sua própria farmácia, editou a revista Lélia e acabou vereador e juiz distrital. Pertencia então à Academia Rio-Grandense de Letras. Deixou esparsas algumas peças de teatro, representadas no próprio Club Caixeiral, e um livro de poesias: Lampejos Efêmeros (Porto Alegre,1889). Faleceu em 12 de Janeiro de 1909.

O Atleta, de 7 de novembro de 1885, traz este seu poema:


AVE-LIBERTAS


-Quem és? Que buscas tu na pátria brasileira?
-Eu venho do passado e vou para porvir.
-Silêncio! Tu não tens horror á gargalheira?

-Eis o meu ideal- lutar, vencer, subir!

-Temerária, não tens receio da mordaça?
-Venho da escuridão e marcho para luz...
Para abafar o grito horrível da desgraça
Quebro o cetro real e calco os pés na cruz.
.
Combato com ardor os monstros sanguinários,
A Cruz-superstição! O cetro – tirania!
Nas forjas do dever em fundo abecedários
dos ferros da Opressão, da treva – Idolatria!

- Mas dizer-me quem és q’afrontas sobranceira
A vingança, o terror, a maldição e o ódio?
-Tu és o povo, escuta a minha historia inteira,
Eu sou, sublime herói, o teu anjo custódio.

Eu venho reunir a sacrossanta liça
os moços varonis, a forte mocidade...
Trago na mão potente o gládio da Justiça,
Trago na fronte altiva os dogmas da Verdade.

Eu quero destruir o velho preconceito
Sagrando em seu lugar a santa Idéia Nova...
Trabalhando pelo bem, luto pelo Direito
E tudo que for meu hei de lançar à cova!

Eu quero resgatar do látego inclemente
O mísero sujeito ás leis da escravidão...
Ele conhece o pranto – o negro também sente,
Ele conhece o amor – o negro é o nosso irmão.

Eu quero libertar da torpe prepotência
Este vasto país tão belo e tão pujante!
É livre o pensamento, é livre a consciência,
Não se esmaga a razão num cérebro pensante.

Eu venho proteger a Arte – a gloriosa,
A indústria, e o comércio, essa riqueza pública;
eu quero ensinar-te, povo, a senha vitoriosa:
-Pela federação, fundada na republica.

Há mais de meio sec’lo esta província heróica
Terrível levantou-se em face do despotismo,
Opondo resistência aos áulicos, estóica,
Escrevendo com sangue os feitos do heroísmo.

Essa revolução provou aos opressores
Que o povo riograndense é livre como pompas!
eu tenho fé que em breve, ao’rufo dos tambores,
Os heróis d’esse dia hão de se erguer das campas!

Marchemos ao combate; ingente vai a luta...
É só de teu valor que espera a salvação
A pátria. Vamos, segue, ó turba resoluta,
Á conquista do bem para a infeliz nação.

Não mais padres nem reis – os frutos da Ignorância,
Não mais o Opróbio, o Crime, a Submissão, a Fome!
Eu trago-te o Progresso, eu trago-se Abundância.
- Mas dize-me quem és, quero saber teu nome?

-Não sabes quem sou, ó povo grande e forte?
Não me conheces tu, gloriosa mocidade?
Se tu fores vencido – eu hei de ser a Morte;
Mas sendo vencedor- serei a Liberdade!


Extraído do:
Os anarquistas do Rio Grande do Sul
Autor: João Bastista Marçal
Paginas: 23 á 27
Ano: 1995
Editora: Unidade Editorial Porto Alegre

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