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sexta-feira, 19 de julho de 2013

Maluquices

Um grupo de alienados

A nacionalidade é uma ficção absurda e perigosa. 
A idéia patriótica e a idéia religiosa são superstições
 inventadas para conduzir a vontade do povo.

     O que é uma bandeira? Um farrapo. Ideia dum homem. Obra de um homem. Trapo colorido por meio de combinações químicas.
     Auriverde azul e branca alvirrosada ou rubro-negra, segundo a vontade dos maiorais da pátria, TEMOS TODOS NÓS que aceita-la como símbolo de que não partilhamos venerá-la como ídolo sagrado e único. ENCARNAÇÃO MAIS QUE A PERFEITA DO SOLO QUE NOS VIU NASCER... No qual sempre estamos isentos de arrastar uma vida de baixezas e privações...
      É DEVER DE TODOS ERGUER-SE E DESCOBRIR-SE À PASSAGEM DA BANDEIRA!
      Bela patada, não acham? Como se concebe esse dever, essa obrigação, essa imposição disfarçada, se a ultracomicíssima constituição da República nós ASSEGURA a liberdade de pensamento?
    
Ora bolas... senhores  PATRIOTAS!
     Patriotas?  Que dissemos nós?!... Pode lá haver patriotas, se há na vida humana um choque formidável de interesses, um confusão latente de transações, um VAI E VEM ininterrupto de VENHA A NÓS, um contraste flagrante em tudo que se nos depara à vista e à imaginação?  Se todos, nacionais e estrangeiros, estão à mercê dessas determinantes do atual  estado de coisas?
     O que há não é patriotismo, propriamente dito. Há, falta demonstrativa de raciocínio apurado, no gentio apalermado e infantil que compõe a classe baixa.
     A idolatria não é senão um estado mórbido de compleições místicas. Logo, se a bandeira – como as imagens religiosas etc. – é um ídolo, o que vem a ser os que a idolatram?
     Se a bandeira içada nas fachadas dos edifícios públicos e particulares, em dias feriados, é tão brasileira, tão nacional como a dos batalhões, por que motivo há de a gente levantar-se a descobrir –se à passagem da bandeira e não quando passa pela bandeira?
     Pobre homem! Caricata BESTA HUMANA!...
     Há fome e pratos pelo Brasil afora. Filhos do país na maior miséria, sem comer e sem domicílio, fazem-se mendigos, vadios, gatunos, morrem de inanição ou suicidam.
     E NÃO HÁ COISA MELHOR DO QUE SER BRASILHEIRO!
     Operários nacionais explorados por estrangeiros, no comércio, na indústria, na fabrica, na agricultura etc. etc., e, enquanto estes enriquecem fabulosamente, aqueles não passam de reles proletários, quase sempre a braços, em grande número, com a falta de quem lhes queira dar trabalho, muitos deles com família e sem crédito algum... porque são pobres...
     E NÃO HÁ COISA MELHOR DO QUE SER BRASILEIRO!
     A luta do contestado, onde as maiores monstruosidades foram praticadas pelas forças federais, contra ignorantes e indefesos mambiras, vítimas da sanha politica dum bando de magarefes; do governo que lhes roubou as terras que lhes haviam sido dadas, para vendê-las a um sindicato estrangeiro, e daquela ridícula quão caprichosa questão de limites entre Paraná e Santa Catarina.
     E NÃO COISA MELHOR DO QUE SER BRASILEIRO!
     Há uma enorme dívida externa a pagar. Tiram-se, para isso, uns tantos por cento do ordenado dos pequenos empregados do Estado, criam-se novos impostos – não sobre o álcool, o fumo, a seda etc., não – mas sobre aquilo de que mais precisa o povo, quando existem no Brasil milionários e até multimilionários, brasileiros, que podiam saldar esse vergonhoso compromisso.
     Um deles é o senhor Rui Barbosa, multimilionário, que se limitou a fazer uma conferência em Buenos Aires...
     E NÃO HÁ COISA MELHOR DO QUE SER BRASILEIRO!
     Brasileiros que vivem na opulência, desfrutando de tudo quanto é belo e indispensável à vida, e brasileiros que passam uma vida de cão, morando em choupanas infectas, sem muitas vezes ter pão para dar ao filhinho estremecido que lhe pede banhado em lagrimas.
     Brasileiros, senhores? Brasileiros, escravos? Uns morrendo de fome, outros de indigestão.
     E NÃO HÁ COISA MELHOR DO QUE SER BRASILEIRO!
     Esta doente? Aqui tens a Santa Casa. És  mendigo? Ali tens o asilo. Dormes na rua? Tens, além, aquela outra infâmia que é o Albergue Noturno. És ladrão? Assassino? Vadio? Sem que seja responsável do teu crime? Lá está a cadeia, onde vão perverter-te ainda mais.
     E NÃO HÁ COISA MELHOR DO QUE SER BRASILEIRO!
     Conclui-se então QUE NÃO HÁ COISA PIOR DO QUE SER BURRO!

Guerra Sociale (SP), ano II, n.°32 (1 set. 1916).

Livro: Contos Anarquistas
Autor: Antonio Arnoni Prado / Francisco Foot Hardman
Editora: brasiliense
Pagina: 54 á 56
Ano:1985

IV Feira Anarquista de São Paulo


Cartaz de Fernando Gomes

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quinta-feira, 18 de julho de 2013

O EMPREGO DA VIOLÊNCIA (Luís Bertoni)

     Sendo justamente os anarquistas os inimigos mais decididos – pois que negam a autoridade precisamente porque ela significa violência sistematizada – criou-se em volta deles uma espécie de lenda que lhes empresta a intenção de pretenderem afirmar os seus princípios, sobretudo por meio da violência.
     Ora, é necessário esclarecer bem este ponto. Nunca temos deixado de aprovar, mesmo quando as leis excepcionais o vedaram, todos os atos de revolta individual ou coletiva que se oponham à violência da tirania lançando mão da violência defensiva.
     É evidente que, quanto maior é o grau de submissão aos opressores, mais dura é a opressão e que, para termos a esperança de vencer, é necessário combatermos com armas iguais, se não superiores. Diremos ainda que, para nós, o individuo, pela grande desproporção existente entre ele e a enorme potência estatal, esta plenamente justificado no recorrer, pela resistência, a todos os meios a seu alcance.
     Limitam-se os anarquistas ao emprego da violência para a destruição do regime da violência, que os esmaga; mas de modo algum concebem a organização de uma nova sociedade pela força. A obra renovação não se efetuará senão no sentido de ser eliminada toda a autoridade, não achando esta sua justificação senão na pretensa necessidade de manter o equilíbrio entre os interesses, o que significa continuarem a existir interesses opostos. Entretanto, choque de interesses significa luta de classes – quando a supressão destas é o verdadeiro objetivo, a obra revolucionaria não poderá interromper a sua trajetória.
     Temos sido sempre profundamente sinceros quando afirmamos que Anarquia quer dizer negação da violência. Mas suportá-la, mesmo sem para ela contribuir diretamente, significa, sem duvida alguma, deixar livre o campo. A passiva resistência tolstoiana tem grande e inegável valor moral; mas é evidente insuficiente. É preciso fazer o que o braço que nos vibra os golpes de espada pare, e não esperar que ele se canse de nos flagelar!
     Deixemos de lado os hipócritas que fingem não reconhecer que a dominação capitalista se mantém de pé unicamente graças ao emprego sistemático da violência, para se indignarem com a resistência adequada que aquela se contrapõe.
     Excetuando o curto período de luta entre um poder que declina e um poder que surge – período forçosamente anômalo e que todos almejam que seja o mais curto possível a violência é considerada como atributo exclusivo e característica função de governo. As piores atrocidades são devidas ás ordens dos representantes do Estado, em nome de uma verdadeira ou suposta maioria, mas quando muito, discutíveis sob o ponto de vista da oportunidade, da utilidade e da maneira de aplica-las; mais fica claro e patente que o poder significa ter toda a faculdade de se impor a outrem por meio da força.
     Como anarquistas, somente admitimos a violência quando aplicada contra a violência. Os nossos adversários de todas as tendências, entretanto, a concebem só a exclusivamente a serviço da autoridade.

Luís Bertoni

Livro: Anarquismo roteiro da libertação social
Autora: Edgard Leuenroth
Editora: Mundo Livre
Paginas: 50 á 51
Ano: 1963

segunda-feira, 15 de julho de 2013

O seu veneno me engordou, bela humanidade!

Maldito sonho
Que bloqueou a morte
Maldita historia
Que revela o passado,
De resistência à morte

O sonho de emancipação
Na beleza da resistência
Guiado por uma podre coincidência
Talvez no momento de desespero
Nada disso faça sentido

Se fizesse sentido
Não teria graça
Se a vida lá, nas alturas
A família já é a humanidade
Mal direcionada por estar embriagada!

Sou apenas um feto
Que mesmo depois de nascer
Tentarão me apagar
Para que um dia a verdade não viesse a mim
Para que um dia não viesse a me revoltar

Agora entendo todas aquelas tentativas,
Tentativas que queria provar que eu sou doente
Fonoaudiólogo, psicólogo, etc. Para me preparar
Queriam colocar a mim, que eu tinha algo errado
Queriam me culpar por suas tentativas falhas
De me assassinar, ao dizer que a culpa era minha

O seu veneno apenas me engordou
Na hora de nascer, brindei com a água do parto
quase morremos, não é mesmo humanidade?
Se o homem nasce livre, mais em toda parte é posto a ferro
Eu fui tirado do ventre a ferro, graças ao seu veneno que me fortaleceu

Mas hoje estou aqui, pela bela resistência
A reciclar a todo aquele ferro à uma flor
Para apagar todo aquele passado, mas não oculta-lo
Matar, por medo, de um dia a semente se revoltar?
Bela humanidade, com certeza não era, e não é a solução!

A revolta, a rebeldia é a única que emancipará
É através de toda a podridão que identificamos o belo!
Se calar é aceitar o papel de cúmplice
Ocultar o passado é privar que o presente se emancipe
Perdoar é seguir a diante, aceitar a ti mesmo como tu és

Resistir à morte, a morte durante três vezes
No presente no passado e no futuro...
É, e ainda amar?
Maldito sonho!
Que bloqueia a morte!
Maldita verdade oculta, revelada durante a embriaguez!

Os livros cada dia, mas extintos
A humanidade cada vez mais embriagada
O individuo a cada vez mais vigiado
E a nossa historia a cada dia mais apagada
Mas não eu, você me ensinou a resistir
E eu vou resistir e existir, bela humanidade!


Cleber Aleixo 14/07/2013

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Bakunin foi para o céu!

Miguel Bakunin, o velho revolucionário russo, enfim morreu, para a tranquilidade dos reis, presidentes, burgueses e marxistas. Morreu e, com seu extenso curriculum debaixo do braço, foi direto para o Inferno. Lá chegando, foi recebido na portaria pelo próprio Belzebu que, passando os olhos no espesso calhamaço, disse entusiasmado:
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- Belo curriculum hein Sr. Bakunin! Décadas de luta contra a Igreja, participação em inúmeras insurreições, expulso de vários países, prisões, porres homéricos...Com tudo isso, vou lhe enviar para o Setor 1 aqui do Inferno, que é mais tranquilo, as penas são moleza, uma deferência para uma celebridade como o senhor.
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Dito e feito, lá se foi Bakunin para o Setor 1.
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Três dias depois, estava lá Belzebu distraidamente mexendo seu caldeirão cheio de almas, quando é repentinamente interrompido por um esbaforido diabo-auxiliar, que dá seu relatório urgente:
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- Mestre, está uma zona lá no Setor 1! O Bakunin organizou as almas em um sindicato e foi decretada uma paralisação geral pela diminuição da jornada de penitências, temperatura mais amena e um monte de outras coisas.
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Belzebu ficou puto nas calças e decretou:
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- Porra, esse cara é um mal agradecido! Se ele pensa que vai zonear os meus domínios como fez lá na Terra, está muito enganado. Pega ele e manda para o Setor 2 que ele vai ver o que é bom pra tosse!
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E lá se foi o velho Miguel para o temido Setor 2.
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Três dias depois, lá estava Belzebu torturando uma almas recém-chegadas, quando novamente é interrompido pelo diabo-auxiliar que, com os nervos a flor da pele, deu seu novo relatório:
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- Chefe, o Setor 2 está em greve de ocupação! Bakunin e mais uma comissão de almas exigem audiência com o senhor para a apresentação de uma pauta de reivindicações quilométrica. Eles querem penas mais suaves, equiparação com o pessoal do Setor 1, adicional de insalubridade, lazer nas horas vagas.
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- Chega!!! - interrompe o diabo-superior - Esse barbudo está querendo anarquizar com o meu Inferno. Vou acabar já já com essa insubordinação, tá pensando o que! Pega esse anarquista e manda ele para a solitária, que eu quero ver ele organizar alguma coisa.
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Bakunin só foi retirado a muito custo do Setor 2 com intervenção da Tropa de Choque, pois as almas tentaram impedir a sua saída com barricadas, pedradas e muita porrada.
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No dia seguinte, quando Belzebu ainda nem tinha se refeito dos contratempos da véspera, chega o diabo-auxiliar mais nervoso ainda e solta o último relatório:
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- Mestre, o Inferno inteiro está em greve geral de solidariedade ao Bakunin. Todos exigem sua imediata libertação.
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- Basta! - urrou belzebu - Vou mandar esse cara imediatamente para o Céu, coisa que já devia ter feito a muito tempo. Imagina só a balbúrdia que ele vai aprontar por lá; ele em uma semana vai conseguir esculhambar aquilo tudo. Como eu não pensei nisso antes!
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E lá se foi Bakunin - quem diria! - para o Céu, onde foi recebido por São Pedro. Folheando seu curriculum, ele disse:
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- Sr. Bakunin, que coisa feia! Anticlericalismo, revoluções, prisões, bebedeiras...Bom, mas como a piedade de Deus é infinita e como o senhor veio deportado do Inferno, pode entrar na casa do Senhor.
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E assim, Miguel Bakunin entrou no Céu.
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Lá embaixo, Belzebu estava na maior expectativa com as notícias do Céu. Cara colada na home-page celestial (afinal, ele era um capeta atualizado), esperando notícias de uma sublevação geral no Reino do Senhor. Passa um dia, dois dias, três, quatro, e nada, nenhuma notícia de anormalidade lá em cima. Quando deu uma semana, Belzebu não suportou, pegou o elevador e foi lá conferir pessoalmente. Discretamente, assobiando e com as mãos para trás, ele foi se aproximando da portaria do Céu, onde estava São Pedro trabalhando normalmente. Encostou no guichê, olhou distraidamente para as unhas, e puxou papo com São Pedro:
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- E aí Pedro, tudo bem por aí?
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- Tudo tranquilo como sempre. - respodeu o santo.
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- Vem cá, e um cara que eu mandei praí, um tal de Miguel...
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- Bakunin - completou São Pedro. - Ele está bem, por quê?
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- Nada em especial, mas... ele não tem feito nenhuma agitação por aí?
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- Não que eu saiba - respondeu Pedro.
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- E Deus, não comentou nada sobre esse tal Bakunin? - perguntou o diabo.
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Nesse momento, São Pedro se levantou, colocou as duas mãos nos ombros de Belzebu e, olhando nos seus olhos, falou decidido:
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- Companheiro Belzebu, Deus não existe!
.(Texto escrito pelo Círculo de Estudos Libertários Ideal Peres - CELIP - e publicado no informativo Libera nº 89, outubro de 1998, caixa postal 14576, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, CEP 22410-971, farj@riseup.nethttp://www.farj.org/
Extraído de:

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Aborto hoje

PRÓXIMO SÁBADO - EVENTO SOBRE O ESTATUTO DO NASCITURO & O ABORTO HOJE – Dia 13 de Julho de 2013, Sábado, às 18 horas, na Cinemateca de Santos, Rua Xavier de Toledo, número 42, Bairro Campo Grande, Santos/SP. Exibição do Documentário: “O Aborto dos Outros” (Diretora: Carla Gallo, 2008, 72 minutos) + Debate com as psicólogas Janaina Leslão & Gigi Annie Louise. ENTRADA GRATUITA !!!

Organização: Coletivo Feminista Pagu, Baixada Santista !!!

sábado, 29 de junho de 2013

SEDUZIDAS E DESONRADAS

     Multiplicam-se, assombrosamente, as noticias de suicídios diários: moças seduzidas pelos namorados, com promessas de casamento.
     Os jornais procuram fugir à responsabilidade, apontada no ruído com que tratam todos os pormenores, publicando cartas e noticiando os incidentes e particularidades das tragédias amorosas.
     Mas, a imprensa á, realmente, a que cultiva e incita, a que maior culpa tem no crescendo desses atentados á própria vida.
     Os jornais são feitos sob a rigidez perversa da moral burguesa-capitalista e feitos, na sua maioria, pelos homens – bem instalados na vida sob o ponto de vista sexual – e, si há mulheres na redação, no jornalismo, pensam e agem também dentro da hipocrisia farisaica dessa moral fossilizada e pesada de crimes.
     Pelo código desse moraliteísmo, a mulher virgem que se entrega a um homem, nada mais tem que fazer senão o suicídio, si é abandonada.
      Dentro desta moral, a jovem está desonrada, perdida, desgraçada e tem de carregar o peso de todos os atributos que procuram inutilizar para a vida uma criatura humana.
     Nunca a perversidade dos seres ditos racionais foi mais longe do que a concepção estreita na qual a mulher (animal seguindo a mesma escala zoológica de todos os animais, com as mesmas necessidades fisiológicas e os mesmos direitos de indivíduos na multiplicação da espécie e na liberdade sexual), nunca a maldade humana desceu tanto quando decretou que a mulher deve guardar a virgindade para entrega-la ao “esposo”, em dia determinado previamente. Os pais, o escrivão de paz e o padre anunciam aos convidados que naquela noite o novo vai romper uma película de carne do corpo de sua amada. É o culto ao hímen. A himenolatria dos cristãos civilizados.
     Profundamente ridículo.
     E que de humilhações tem sofrido a mulher através desses costumes canibais.
     E ai daquela que se descuida do protocolo.
     Si hoje não é lapidada, si não é enterrada viva como as vestais, si não é apedrejada até a morte, si não sofre os suplícios do poviléo fanático de outros tempos, inventou-se o suicídio: é obrigada a desertar da vida por si mesma, porque a literatura, a imprensa, toda gente aponta-a com o dedo, vociferando o desgraçada, perdida, desonrada, desonesta, abrindo-lhe as portas da prostituição barata das calçadas. E a vitima é cercada pelo cortejo da miséria, da sífilis, dos bordéis, das humilhações, do hospital e da vala comum.
     Miserável moral de coronéis, de covardes, de cretinos.
     E o homem cresce com as suas aventuras, adquire prestigio, fama, glorias até mesmo e principalmente entre o elemento feminino.
     Dentro da concepção estreita e má dessa moral de tartufos o proxenetas, moral de senhores e escravos, o mesmo ato praticado por dois indivíduos de sexo diferente tem significação oposta: a mulher se degrada, torna-se imortal, está irremediavelmente perdida, si não encontra um homem para lhe dar o titulo de esposa perante a lei e as convenções sociais. E o homem é o mesmo, talvez tendo adquirido mais prestigio, valor de estimação perante as próprias mulheres e será invejado pelos homens.
     Essa moral nada difere de algumas tribos primitivas que os etnógrafos de gabinete estudam curiosidades e admiração, esquecendo-se de que nós, os civilizados, somos mais selvagens e tão primitivos quanto os mais primitivos dentre os selvagens
     O que espanta é a atitude servil da mulher – a imbecilizada secular – a santa mente fechada para perceber a idiotice da moral cristã (em nome de Cristo quantas barbaridades se cometem!) a sua perversidade sempre que julga e condena outra mulher.
      Não quer ver o seu direito de animal na escala zoológica, o dever de ser dona do seu próprio corpo e senhora da razão, da liberdade de dirigir e governar os seus impulsos, como lhe aprouver.
     A educação, a rotina, a tradição, o confessionário se encarregam do que falta para fechar, num circulo de ferro, o cérebro da mulher, não deixa-lo raciocinar e perceber a tutela milenar que a tem submetida pelos preconceitos e dogmas religiosos – exclusivamente para o prazer bestial do sexo forte, que, por ser forte, é o mais bem aquinhoado na partilha do leão.
     Mas, a mulher não se deixa lesar... O casamento é porta aberta para o adultério. E ela mente, engana, atraiçoa. Serve-se da astucia e da Hipocrisia – as únicas armas de que pode dispor.
     Porque, os homens vulgares, e são quase todos, preferem ser enganados...
     Uma grande parte, porem, inexperiente, as mulheres moças, apaixonadas, emotivas, desiludidas recorrem ao suicídio como porta de salvação para a sua angustia. Esse crime arrebata á vida tantas energias moças. É o resultado da moral farisaica dos cristões piedosos e caridosos – cujo porta-voz é a imprensa, quer seja governista ou oposicionista, religiosa ou laica.
     As pobres mulheres apaixonadas não chegam a raciocinar um instante sequer para compreender, para sentir que o nosso coração tem mais uma primavera, que isso a que chamam de amor pode ser renovado, que amamos mais uma vez na vida, de acordo com o temperamento ou as etapas de evolução, porque, nem todos são eleitos para chegar a realizar o grande amor...
     Não perceberam que a nossas idades de ouro, aos 15 anos, os 25, os 30 e os 40 nos ensinam experiências sempre mais belas progressivamente e nos dizem coisas lindas através de ilusões do amor que, em todas as idades tem a sua perfumada estações de sonhos e de esperanças novas. E é belo e profundo saber amortalhar as ilusões...
     Desfeita uma visão, outra virá, talvez, mais bela, povoar de imagens a nossa imaginação irrequieta, na escalada de uma evolução mais alta.
     E, si uma experiência amorosa nos deixa o travo de amargura, é, por sua vez, degrau para subir os visos de uma ilusão maior.
     Não viram que a liberdade sexual do homem é ilimitada, que ele não é considerado perdido, que se não desgraça porque usa e abusa dessa liberdade e que não é natural nem justo uma moral para cada sexo.
     E a eterna tutela, o idiota milenar ainda hoje, em pleno século de tanta reivindicações femininas, se esquece da mais importante das suas reivindicações – a de ser dona do seu próprio corpo, a da sua liberdade sexual, a do ser humano com o direito á alegria de viver a vida integralmente, em toda a sua plenitude.
     E suicida-se porque foi seduzida, porque a desgraçaram, porque esta perdida.
     Santa ingenuidade.
     Por que razão por fim á sua vergonha, si isso a que os jornalistas chamam de vergonha é a iniciação em a mais bela das Leis Naturais, o abc da Lei Maxima, a Lei  do Amor, a Lei da integração de dois seres no espasmo da Harmonia Universal?
     E é desprezando as Leis Naturais, as Leis não escritas – que os homens, servindo a interesses egoístas, tão pequeninos, escrevem e legislam as suas leis de lamentável perversidade, encurralando o coração humano na jaula de ferro de uma justiça de fogo, matando e sensibilidade das criaturas na aridez de uma moral fria, sem alma, torpe, assassina de milhões de vitimas, sacrificadas no templo de Molóc dos preconceitos sociais.

Extraído:
Livro: Amai e... não vos multipliqueis
Autor: Maria Lacerda de Moura
Editora: Civilização Brasileira
Pagina: 85 á 90
Ano: 1932

sexta-feira, 28 de junho de 2013

UMA IDEIA ANARQUISTA

     Pensar é um direito intransferível e inalienável do ser humano, e é baseado nessa premissa que certo filosofo preconiza viver numa sociedade de homens capazes de se auto-dirigirem, de se auto-governarem pela união das forças intelectuais, trabalhadores e criadores duma nova ordem social com liberdade.
     A sua doutrina, catecismo do “imaginário paraíso”, segundo a concepção, não aceitava o princípio do salario e da mais-valia. Tão pouco permitia a existência de trabalhadores e patrões, dirigentes e dirigidos, mandantes e mandados, senhores e escravos. Todos seriam auto-suficientes, produtores e consumidores, livres, iguais!...
     Os princípios fundamentais, as ideias mestras do filósofo, sobre as quais construiria a nova sociedade, baseavam-se numa ordem generosa e positiva, com sentimentos e ações, de equilíbrio nos movimentos e atitudes, na harmonia que funde o homem e a natureza, que humaniza e forma personalidades retas, caracteres e cidadãos justos, capazes de produzir e participar, dar e receber.
     Era uma filosofia sem vinculo religioso nem políticos, partia das premissas e renovações, libertarias e anti-dogmáticas. Para esse “sonhador”, as ideias tinham que ser provocadas, e a vida era o exemplo de uma lição no seu país amplo e puro sentido. Não aceitava conceitos apriorísticos, e descria da infalibilidade. Para ele tudo era relativo. Seu fundamental razão doutrinaria apoiava-se na liberdade com responsabilidade, conceito humanista de vida, feito pacto consciente à margem da tutela de qualquer espécie, partindo do indivíduo, da associação voluntaria, para atingir a sociedade de auto-gestão, livre dos falsos intermediários. O filósofo aceitava a transformação bem acabada como fonte de sabedoria, manancial da bondade; a historia pela importância de recolher e analisar as experiências vividas, e como guia admirável, a razão na busca da verdade.
     O individuo era a base fundamental da sua sociedade! A convivência social e fraterna processava-se pelo livre-acordo, e a proteção recíproca, pelo apoio e ajuda mútua, veículo conservador e propulsor da espécie. A união das energias e o entendimento dos homens da comunidade, residia no esforço que garantia a sobrevivência, e que defendia os direitos de cada indivíduo em particular, a da sociedade em geral.
     A ideia mestra da “Nova Sociedade”, partida da natureza, princípio e fim de todas s coisas, consubstanciada pela liberdade, pelo livre acordo, verdadeira razão da vida. Segundo sua filosofia, o homem é um atleta sempre em luta por melhores dias no sentido evolutivo, e jamais deixará de ser, daí o não admitir a regressão por desejar sempre mais além da liberdade, a liberdade!...
     Entendia que o ser humano é um ser sociável e como tal procede a unir-se, a associar-se, porque, só unido e associado, se sente seguro. O homem jamais desejou viver isolado, nem fora do seu mundo porque faz parte dele. E por ser um componente da sociedade, o individuo tende, fatalmente, a ser um associado da comunidade humana.
     Sem deixar de ser um mundo de ideias “novas”, humanitarista, uma corrente científica, intelectual e ética, perfeitamente definidas doutrinariamente, a sociedade ou organização, isto é, a “Nova Sociedade” do filósofo, prevê uma nova concepção econômico-social que estabelece a livre associação dos organismos naturais do trabalho. Suas tarefas quotidianas processar-se-iam por meio da cooperação voluntaria, da responsabilidade individual e coletiva, isto é, por meio de uma coordenação e administração do esforço manual e intelectual objetivando produzir com o máximo de perfeição e da beleza.
     Propõe-se o nosso filósofo restabelecer a felicidade dos povos, instaurando uma Federação de Comunidade Livres, unidas por interesses sociais, econômicos, artísticos e culturais, sempre resolvidos mediante acordos mútuos, sem imposições nem intenções dominantes. O livre contrato, a tolerância recíproca e o desejo de auto-gestão, seriam princípios e finalidades convertidas em tácticas de luta pela conquista das riquezas naturais e da produção que o trabalho livre proporcionaria. E as riquezas resultantes desse esforço conjunto, coletivo, de produtores, seria posta à disposição da nova sociedade, isto é, dos seus mutuários que distribuiriam a cada um dos seus membros e segundo as suas necessidades .
     Em cada fase da nova comunidade, para o futuro progressivo resultante dos periódicos acordos mútuos, o filósofo apunha que “tudo dependia da capacidade e da visão dos seus componentes unidos num ideal universalista!”
     Sem riquezas nem patrimônios individuais, a comunidade não permitiria que em nome maior saber ou da esperteza, nem mesmo de organismos do trabalho livre e federado, pudesse um dos seus membros explorar o outro. A sociedade cuidaria destes problemas como da saúde dos mutualistas, para garantir o principio racional da igualdade de direitos e de idênticos propósitos de deveres de todos e de cada um.
     Em síntese: não seria um sistema perfeito, já que por princípio rechaçava todos os esquemas e conceitos de carácter absoluto, mas seria a doutrina constante do aperfeiçoamento. Não teria uma meta definitiva, porque percebia a variedade da natureza, a necessidade do progresso, do aprimoramento em todos os campos do conhecimento humano e da busca de novas formas de vida. Mas era uma permanente perspectiva aberta dia-a-dia, ao viver humano. Sem formas dogmáticas, sujeita a liberdade não tinha o sabor do abstrato, mas do razão social só podem ser transitórias, porque tudo é mutável, menos a vida, que se transmite de gerações para gerações. Evoluir até alcançar um estágio amplo, dentro da liberdade, da igualdade e do amor fraterno, era a sua obsessão. Para o filósofo a liberdade não tinha o sabor do abstrato, mas do concreto, que permitia o desenvolvimento da capacidade na criatura humana, que fomenta e desperta a grandeza dos sentimentos de solidariedade entre os povos, que modela o caráter e cultiva o amor ao próximo como a si mesmo! Só a liberdade, segundo a sua concepção ideológica, movimenta os homens no sentido de buscar belos e harmoniosos estágios de justiça social, porque liberdade era a alma, era a luz da sua ideia.

Rio de Janeiro, Maio de 1975.
EDGAR RODRIGUES

Extraído:
Titulo:  ABC do anarquismo
Autor: Edgar Rodrigues
Editora: ACHIAMÉ
Pagina: 93 Á 97
Ano:1976

quinta-feira, 6 de junho de 2013

EDUCAÇÃO EM VISTA DE UM PENSAMENTO LIVRE

     Não basta ensinar ao homem uma especialidade. Porque se tornará assim uma máquina utilizável, mais não uma personalidade. É necessário que adquira um sentimento, um senso prático daquilo que vale a pena ser empreendido, daquilo que é belo, do que é moralmente correto. A não ser assim, ele se assemelhará, com seus conhecimentos profissionais, mais a um cão ensinado do que a uma criatura harmoniosamente desenvolvida. Deve aprender a compreender as motivações dos homens, suas quimeras e suas angústias para determinar com exatidão seu exato em relação a seus próximos e à comunidade.
     Estas reflexões essenciais, comunicadas à jovem geração graças aos contatos vivos com os professores, de forma alguma se encontram escritas nos manuais. É assim que se expressa e se forma de inicio toda a cultura. Quando aconselho com ardor “As Humanidades”, quero recomendar esta cultura viva, e não um saber fossilizado, sobretudo em historia e filosofia.
     Os excessos do sistema de competição e de especialização prematura, sob o falacioso pretexto de eficácia, assassinam o espírito, impossibilitam qualquer vida cultural e chegam a suprimir os progressos nas ciências do futuro. É preciso, enfim, tendo em vista a realização de uma educação perfeita, desenvolver o espirito critica na inteligência do jovem. Ora, a sobrecarga do espírito pelo sistema de notas entrava e necessariamente transforma a pesquisa em superficialidade e falta de cultura. O ensino deveria ser assim: quem receba o recolha o dom inestimável, mas nunca como uma obrigação penosa.

Extraído:
Titulo:  Como Vejo o Mundo
Autor: Albert Einstein
Editora: Nova Fronteira
Pagina: 29 á 30
Ano: 1955

quarta-feira, 5 de junho de 2013

TODAS AS DITADURAS TÊM PONTOS DE CONTACTOS

     Se tomamos como exemplo Portugal, vamos encontrar nos seus 48 anos de ditadura, a fixação de duas grandes forças aparentemente antagônicas, alimentadas pelo mesmo sistema, que lhes deu vida, resistência e fez crescer!
     A primeira, alimentou um monstro que se arrastou vagarosamente sobre nódoas  de sangue e, viveu do medo de suas vitimas! Esta força cresceu, ajudada por aqueles que desejavam mandar, explorar, viver bem, à custa do esforço da miséria dos seus semelhantes e, principalmente, sustentada por potencialidades delinquentes que buscam em todas as nações do mundo, no exército, na polícia, nas lideranças políticas, no poder legislativo e no executivo, um “lugarzinho” que lhe permita punir sem ser punido, castigar sem ser castigado, matar em nome da lei, atrás da qual se esconde fisicamente e, graças à qual, se realiza psiquicamente!
     Força de ação dupla, pode varar os séculos, porque quando parece ter sido varrida da face da terra, quando já não é lei de efeitos físicos, ainda vive longamente invisível nas mentes humanas, a ditar normas de comportamento, aguçar interesses e ambições, provocar confrontações odiosas e até mesmo sustentar  caprichos seculares, hierarquias locais, regionais, de cor, de sexo, raciais, ideológicas, sociais, culturais, e profissionais, capazes de moldar personalidades e deformar carácteres.
     Num plano aparentemente oposto, desenvolve-se a força que rebate, condena e denuncia os crimes e as desigualdades sociais, geradas pelo poder opressor da primeira. Mas o facto, da segunda existir, em razão da primeira. Mas o fato da segunda existir, em razão da primeira, já lhes dá certa identidade de origem. São irmãs emocionais que têm origem semelhante, que existam uma em função da outra, da mesma forma que crescem, fortalecem-se e aperfeiçoam seus mecanismos de defesa e ataque simultaneamente, ainda desta vez, com os mesmos objetivos: a primeira, na intenção de não ser destruída, de não perder o seu lugar; e na segunda, de apear a primeira, anular a ação, o poder, e tomar-lhe o lugar de mando, de direção!
     Em resumo, estas duas forças, lutam pela mesma coisa: tomar o lugar da de cima e colocá-la em baixo. São como dois pratos de uma balança, em desequilíbrio, contrariando alei da gravidade, sendo que o de mais sobe, em vez de ser o mais leve, é o mais brutal, o mais audacioso, o que carrega subjetivamente maior peso, maior potencialidade delinquente em germinação.
     Nessa guerra, os crimes do governo dos ricos contra os  pobres, não são crimes... são medidas de seguranças, para acabar com a “anarquia”, para manter a “ordem”. E não falta “autoridade”, para provar que não houve quebra dos princípios humanos, que a lei, foi cumprida sem arranhões! Em contraposição, qualquer ato menos moderado dos debaixo, é crime, a lei foi traída, desrespeitada, violada...
     Mas nesta competição, se um dia os “proletários” chegar ao poder, como na Rússia, os crimes do “Governo Progressista dos Proletários” cometidos contra proletários, não são crimes... O Governo está saneando...
     Polícia Política brutal, anti-humana,só a Gestapo de Hither ou a D.G.S. de Salazar-Caetano, anteriormente chamada de P.V.D.E e depois PIDE..
     A K.G.B. soviética, anteriormente chamada TCHECA, depois G.P.U., posteriormente N.K.V.D. e mais tarde M.D.V., foi criada para “impedir” as investidas dos inimigos da “igualdade”...
     Campos  de concentração terríveis, são os dos governos burgueses: os do Tarrafal, Dancham e os presídios de Pinochet.
     Os campos de morte lenta soviéticos e as masmorras de Cuba, são lugares de reabilitação, de recuperação e de repouso...
     No meio dessa luta competitiva, onde cada candidato ao poder tenta convencer-nos de que a verdade esta do seu lado, consigo, encontrar o homem coberto de preconceitos, preso às hierarquias de classe, de cultura, de profissão, aos títulos, condicionado por costumes, tradições, crenças religiosas e politicas, cheio de temores e necessidades. E ninguém procura melhorá-lo!!!
     Nem os governos dos “ricos”, nem os governos dos “pobres”, procuram entender que um homem vale um homem e a sociedade só pode ser a soma de valores resultantes do equilíbrio emocional dos seus componentes!
     Assim sendo, é o homem que temos de elevar, a fim de que a sociedade possa colher e dar a todos e a cada um, o bem-estar social, visto que só uma sociedade composta de gente boa, pode ser boa também.
     A entrevista que antecedeu este trabalho, mostrou-nos que um regime com 58 anos de idade, trilhando caminhos deferentes dos chamados burgueses (democratas, conservadores, fascistas ou monarquistas), não soube encontrar a IGUALDADE a que se propunham os seus precursores, isto porque, tentou vencer pela força, etapas que só direitos e possibilidades iguais para todos, ensinados e cultivados racionalmente, livremente, desde o berço, com o mesmo cuidado com que se trata a saúde, poderia a longo prazo, colocar o homem lado a lado com os seus semelhantes, sem medo uns dos outros.
     Nessa conformidade, estendidos tais princípios a todas as sociedades humanas, não haveriam mais razões para se fabricar armas, construir cárceres, esconder comida, fechar portas, nem colocar um guarda em cada esquina, para nos “proteger”...

Extraído:
Titulo:  DEUS VERMELHO
Autor: EDGAR RODRIGUES
Editora: PORTO
Pagina: 98 Á 101
Ano: 1978

domingo, 26 de maio de 2013

FEMINISMO

     A palavra “feminismo”, de significação elástica, deturpada, corrompida, mal interpretada, já diz das reivindicações femininas.
     Resvalou para o ridículo, numa concepção vaga, adaptada incondicionalmente a tudo quanto se refere á mulher.
     Em qualquer gazeta, a cada passo, vemos a expressão – “vitorias do feminismo” – referente, ás vezes, a uma simples questão de modas.
     Ocupar posição de destaque em qualquer repartição publica, viajar só, estudar em escolas superiores, publicar livros de versos, ser “diseuse” ou “dictriz” divorciar-se três ou quatro vezes pelas colunas do “Para-Todos”, atravessar a nado Canal da Mancha, ser campeã de qualquer esporte – tudo isso constitui as “vitorias do feminismo”, vitorias que nada significam perante o problema humano da emancipação da mulher.
     E’ tática bem manejada pela civilização unissexual: enquanto as mulheres se contentam com essas vitorias, a sua verdadeira emancipação é posta de lado ou nem chega a ser descoberta pelos reivindicadores de direitos adquiridos.
     As verdadeiras reivindicações não podem limitar á ação caridosa ou a simples direito de voto que não vem, de modo algum, solucionar a questão da felicidade humana e se restringirá a um numero limitadíssimo de mulheres.
     Aliás, quando os homens de bem retiram-se, nem ostracismo voluntario, dessa politica de latrocínios oficializados, dessa bacanal parasitaria, desse despudor em se tratando dos negócios públicos; quando se decreta, positivamente, a falência, o descredito do parlamentarismo, do Supremo Tribunal, do Senado, de toda a maquina governamental de uma sociedade em plena decomposição – é agora que a mulher acorda e sai correndo atrás do voto, causa que deveria ter reivindicado há 200 ou 300 anos atrás... E supõe, ingenuamente ou maliciosamente, estar cuidando dos interesses femininos, dos interesses humanos.
      A mulher, deixando-se gostosamente explorar e certa de que, nesta civilização de escravos, ganha, cada dia, mais terreno, reivindicando direitos civis e políticos, convencida de que se bate pela mais justa das causas humanas, pela sua emancipação.
     Em que consiste a emancipação feminina? De que serve o direito politico para meia dúzia de mulheres, si toda multidão feminina continua vitima de uma organização social de privilégios e castas em que o homem tomou todas as partes do leão?
     De que vale o direito do voto para meia dúzia de mulheres no Parlamento, si essas mesmas continuam servas em uma ordem social de senhores e escravos, exploradores e explorados, patrões capitalistas e assalariados?
     Indaguemos do nosso caboclo, eleitor de qualquer cabo eleitoral, si o voto o emancipou, si a sua vida de trabalhador rude não o condena mais á geena de escravidão nas mãos do fazendeiro de café ou do senhor de engenho.
     E, desde o eleitor colono, moderno escravo social, até as mais altas dignidades politicas, todos são escravos, condenados, sufocados nas malhas da própria inconsciência, na ignorância cultivada através da imbecilidade humana, através da domesticidade milenar.
     Quem pode falar em emancipação feminina, em emancipação humana, dentro da lei, dentro da ordem social?
     Enquanto a mulher reivindicar direitos civis e políticos, se esquece de pugnar pelos verdadeiros direitos femininos que os direitos humanos: os de individuo, direito á liberdade, direito á vida, direito animal na escala zoológica.
     Por isso, é duplamente escrava: é escrava do homem e é escrava social com o seu companheiro, quer faça ele parte do proletariado, quer seja rei da industriam como Ford ou primeiro ministro, ditador, como Mussolini.
     Nunca a mulher andou mais errada do que quando pensou estar certa reivindicando os direitos políticos.
     Devolvo, desde já, os aplausos dos anti-feministas: o meu ponto de vista é absolutamente oposto, é muito individualista e ácrata.
     Não quero a mulher no “lar sagrado”, nem descanto a meiguice das dulcinéas sabidas, da casta Suzana... o lar da civilização-burguesa capitalista é uma pandega, e eu falo seriamente.
     Dói-me o coração ver a ignorância e o servilismo da mulher, instrumento do passado a serviço de uma sociedade de privilégios e que se apoia, ferozmente, na exploração do homem, nas guerras – cujas vitorias são ganhas a poder do álcool e do éter.
     Em uma época das mais decadentes, no meio de toda essa corrupção, quando os homens de Estado não descem mais porque não têm mais para onde descer, os que sobem se rebaixam, e os políticos profissionais vivem de negociatas fantásticas e tudo é cabotinismo e palhaçada, - é nesta época de dissolução que a mulher quer partilhar das responsabilidades na derrocada coletiva.
     Podemos afirmar que mais empenhadas nos direitos políticos são as que querem, para si, posições e dignidades, as que apoiam as suas pretensões vaidosas nas considerações sociais, as que falam banalidades e menos pensam em prol das suas companheiras de escravidão as que buscam o cenário mesquinho das glorias efêmeras, para exibições e cabotinismo.
     Ou dão a entender que tudo vae otimamente e que também elas fazem e questão de juntar a sua voz á  desintegração total e já estão desfibradas, domesticadas, já se fizeram politicas e, portanto, são capazes de todas as maroteiras dos nossos clown parlamentares, ou então, há na sua reivindicação de direitos políticos, ingenuidade lamentável, quixotesca: a de pretender concertar esta maquina desmantelada pela ação do tempo – implacável na destruição das velharias embalsamadas.
     Ou a mulher se fez politico, adquiriu á força de domesticidade e baixezas, a alma do politico e vae, desgraçadamente, pactuar com os pais da pátria no degenerar de todas as fibras do caráter nacional, ou, ingenuamente, pensa endireitar todo o mecanismo governamental desconjuntado pelo tempo, lutando contra moinhos imaginários, esquecendo-se de si mesma para seguir sonhos impossíveis e ideias utópicas, inteiramente no mundo da lua. Em conclusão: deixar-se-á plasmar ao contato das almas enlameadas dos que só pensam no ventre e para o ventre.

Extraído:
Livro: Amai e... não vos multipliqueis
Autor: Maria Lacerda de Moura
Editora: Civilização Brasileira
Pagina: 37 á41
Ano: 1932

sábado, 25 de maio de 2013

O Fracasso do cristianismo (1) EMMA GOLDMAN



"ECCE HOMO" George Grosz -1924
Manter sua boca fechada e fazer o seu dever!

     Os falsificadores e envenenadores de ideias, na tentativa de obscurecer o limite entre a verdade e a falsidade, acham um valioso aliado no conservadorismo da linguagem
     Concepções e palavras que há muito perderam seu significado original continuam, por séculos, a dominar o gênero humano. Especialmente se estas concepções se tornarão um lugar-comum, se elas foram incutidas em osso ser desde nossa infância como grandes e irrefutáveis verdades. As mentes comuns são facilmente contentadas com coisas herdadas e adquiridas ou como que dita os pais e professores, porque é muito mais fácil imitar do que criar.
     Nossa era deu à luz dois gigantes intelectuais que empreenderam uma transvaloração dos valores sociais e morais mortos do passado, especialmente aqueles contidos no cristianismo. Friedrich Nietzsche e Max Stirner lançaram sobro contra os portais do cristianismo, porque viram nele uma moralidade escravizante perniciosa, a negação da vida, o destruidor de todos os elementos que compõem a força e o Caráter. Enfim, Nietzsche opôs-se á ideia da moralidade escravizante inerente ao cristianismo em favor de uma moral de mestre para poucos privilegiados. Mas eu arrisco sugerir que a ideia de mestre não teve nada a ver com a vulgaridade de categoria, casta ou riqueza. Ao contrario, ela significa a potência nas possibilidades humanas, a tradições e valores exauridos, de forma que ela possa aprender a se tornar o criador de coisas novas e belas.
     Nietzsche e Stirner viram no cristianismo o nivelador do gênero humano, o destruidor do desejo do homem de ousar e fazer. Eles viram em todo movimento construído sob ética e a moralidade cristã tentativas não de emancipação da escravidão, mas de sua perpetuação. Consequentemente eles se opuseram a estes movimentos com toda força.
     Quer concorde ou não completamente com estes iconoclastas, eu acredito, como eles, que o cristianismo é admiravelmente adaptado para o treinamento de escravos, para a perpetuação de uma sociedade de escravos; em resumo, para as mesmas condições que confrontamos hoje. Na verdade, nunca poderia uma sociedade ter se degenerado a essa apavorante fase atual, se não pela ajuda do cristianismo. Os governadores da terra perceberam há muito tempo o poderoso veneno inerente à religião cristã. Essa é a razão porque eles a nutrem; esse é o motivo porque eles não deixam nada por fazer para incutir isso no sangue das pessoas. Eles sabem mito bem que o mais penetrante dos ensinamentos cristãos é uma mais poderosa proteção contra a rebelião e o descontentamento  do que a ordem ou a arma.
     Sem dívida ou diria que, apesar da religião ser um veneno e o cristianismo institucionalizado o maior inimigo do progresso e da liberdade, há algum bem no cristianismo “ele mesmo”. Sobre os ensinamentos de Cristo e do cristianismo primitivo eu poderia ser questionada: eles não representam o espírito da humanidade, do direito e da justiça?
     É justamente essa afirmação frequente essa afirmação frequentemente repetida que me induziu a escolher este assunto, me permitiu demonstrar que os abusos do cristianismo, assim como os do governo, são condicionados por si mesmos, e não devem ser transferidos aos representantes do credo. Cristo e seus ensinamentos são a inércia, da negação da vida, consequentemente, é responsável pelas coisas feitas em seu nome.
     Eu não estou interessado no Cristo teológico. Mentes brilhantes como Bauer (2), Strauss (3), Renan (4), Thomas Paine (5), e outros refutaram esse mito há muito tempo. Eu estou até mesmo pronta a admitir que o Cristo teológico não representa nem a metade do perigo que Cristo ético e social. Na proporção em que a ciência toma o lugar da fé cega, a teologia perde sua influência. Mas o Cristo-mito ético e poético está tão fartamente presente em nossas vidas que até mesmo algumas das mentes mais avançadas acham difícil se emancipar de seu jugo. Eles livram-se das epístolas, mas retém o espírito; contudo é o espírito que está por trás de todos os crimes e horrores cometidos pelo cristianismo ortodoxo. Os padres da igreja podem se ar ao luxo de bem orar o evangelho de cristo. Ele não contém nada de perigo para o regime da autoridade e da riqueza; ele representa abnegação, penitência e arrependimento, e é absolutamente inerte frente a toda (in)dignidade, a toda afronta ao gênero humano.
     Aqui eu devo voltar aos falsificadores de e palavras. Muitos sérios opositores da escravidão e da injustiça confundem da maneira mais infeliz, os ensinamentos de Cristo com as grandes lutas para emancipação social e econômica. Os dois serão sempre irrevogavelmente opostos um ao outro. Um necessita coragem, ousadia, desafio e força. O outro prega o evangélico da não-resistência, da aquiescência servil do desejo dos outros; é o descuido completo do caráter e da autoconfiança, é, portanto, o destruidor da liberdade e do bem estar.
     Quem anseia sinceramente por uma mudança radical as sociedade, quem se esforça para livrar a humanidade do açoite da dependência e da miséria, tem que dar as costas ao cristianismo, tanto ao antigo como também á sua forma presente.
     Em todos os lugares e sempre, desde seu mais remoto passado o cristianismo transformou a terra em um vale de lagrimas; sempre fez da vida uma coisa fraca, doente, sempre instalou medo no homem e o transformou em um ser dual cujas energias de vida são gastas na luta entre o corpo e a alma. Depreciando o corpo com algo mal, a carne como tentadora para tudo o que é pecado, o homem tem multilado seu ser na tentativa vã de manter sua alma pura, enquanto seu corpo apodrece longe das injúrias e torturas infligidas sobre ela.
     A moralidade e a religião cristã exaltam a gloria do além-vida, no entanto permanecem indiferentes aos horrores na terra.
     Realmente, a ideia de abnegação e de tudo aquilo que traz dor e tristeza é o teste do valor humano, é seu passaporte para entrar no céu.
     O pobre é possuidor do céu e o rico irá ser para o inferno. Isso talvez explique os esforços desesperados do rico fazer feno enquanto o sol brilha, de tirar o Maximo que podem da terra: nadar em riqueza e superfluidade, apertar os grilhões dos escravos abençoados, os roubar dos direitos inatos, os degradar e ultrajar todos os minutos do dia. Quem Poe culpar os ricos se eles se vingam-se através do pobre, se agora é o tempo deles e só o deus cristão misericordioso sabe como o rico esta fazendo isso de forma completa e competente.
     E o pobre? Eles agarram-se à promessa do céu cristão, como a casa para os velhos, o sanatório para os corpos incapacitados e mentes fracas. Eles suportam e se submetem, eles sofrem e esperam, até que todo pedaço de seu auto-respeito seja banido, até seus corpos se tornarem-se magros e murchos, e o espírito destroçado pela espera, a infinita pelo céu cristão.
     Cristo fez a sua aparição como líder do povo, o redentor dos judeus do domínio romano, mas no momento em que ele começou seu trabalho, provou que não tinha nenhum interesse na terra, nas necessidades imediatas urgentes dos pobres e deserdados do seu tempo. O que  ele pregou foi um misticismo sentimental e obscuro, ideias confusas carentes de originalidades e vigor.
     Quando os judeus, de acordo como os evangélicos se retirarão de Jesus, quando eles o levaram para crus, podem talvez ter se desapontado amargamente com quem os prometeu tanto e lhes deu tão pouco. Ele prometeu alegria e felicidade em outro mundo enquanto as pessoas estavam passando fome, sofrendo e padecendo diante dos seus próprios olhos. Pode ser, talvez, que a condolência dos romanos, especialmente de Pilatos, tenha sido dada a Cristo porque eles o considerarão como perfeitamente inofensivo ao seu poder e dominação. O filósofo Pilatos pode ter considerado as “verdades” eternas de Cristo como anêmicas e sem vida se comparadas ao aparato de força que eles tentaram combater. Os romanos, fortes como eles eram, devem ter rido à custas do homem que falava arrependida e pacientemente, em vez de chamar seu povo a se armar contra seus despojadores e opressores.
     A carreira pública de Cristo começa com o édito: “arrependei-vos, porque é chegado o reino dos céus”(6).
     Por que se arrepender, por que lamentar, em face de algo que supostamente trazia libertação? As pessoas já não sofreram e suportaram o bastante: elas não tinham ganhado o direito à libertação pelo seu sofrimento? Pegue o Sermão da Montanha, por exemplo. O que é senão um elogio à submissão ao destino, à inevitabilidade as coisas?
     “Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus”(7).
     O céu deve ter um lugar muito estúpido e triste se os pobres de espírito vivem lá. Como pode qualquer coisa criativa, qualquer coisa vital, útil e bonita vir dos pobres de espírito? A ideia contida o Sermão da Montanha é a maior acusação contra os ensinos de Cristo, porque ele vê a pobreza da mente e do corpo uma virtude, e porque busca manter esta virtude através e recompensa e castigo. Todo ser inteligente percebe que nossa pior maldição é a pobreza do espírito; que isso é o produtor de todo mal e miséria, de toda injustiça e crimes no mundo. Toda pessoa sabe que nada bom jamais veio ou pode vir do pobre de espírito; com certeza, nunca liberdade, justiça ou igualdade.
     “Bem-aventurados os mansos, porque eles herdarão a terra” (8).
     Que noção ridícula! Que incentivo à escravidão, inatividade e parasitismo! Além disso, não é verdade que o submisso possa herdar qualquer coisa. Só porque a humanidade foi submissa é que a terra lhe foi roubada.
     Mansidão tem sido o chicote que o capitalismo e os governos têm usado para forçar o homem á dependência, na sua posição de escravo. Os criados mais fies do estado, da riqueza, dos privilégios conveniente que Cristo, o “redentor” dos povos.
     “Bem aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos”(9).
     Mas o Cristo excluiu a possibilidade de justiça quando disse “os pobres sempre os tendes convosco” (10)? Mas então cristo era grande em pronunciamentos, não importa se o que ele dizia fossem coisas completamente opostas uma à outra Isto é demonstrado tão notavelmente no comando “daí a Césas o que é de César, e a deus o que é de deus”(11).
     Os intérpretes afirmam que Cristo teve que fazer estas concessões aos poderes de seu tempo. Se isso é verdade, este simples compromisso foi suficiente para atestar, até os dias de hoje, a mais impiedosa arma nas mãos do opressor, uma horrível chicotada e um inexorável coletor de imposto para o empobrecimento, a escravização e a degradação das mesmas pessoas por quem Cristo supostamente morreu. E quando nós estamos seguros que “bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos”, nos é dito “como”? Como? Cristo nunca se preocupou em explicar isso Justiça não vem das estrelas, nem porque Cristo a desejou. Justiça surge da Liberdade, de oportunidade e igualdade social e econômica. Mas como pode o manso e o pobre de espírito estabelecer tal estado de coisas?
     “Bem-aventurados sois vós, quando injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por minha causa. Exultai e alegrai-vos, porque é grande o vosso galardão(12)nos céus”(13).
     A recompensa no céu é uma isca perpétua, uma isca que tem apanhado o homem em uma rede de ferro, numa camisa de força que não deixe expandir ou crescer. Todos pioneiros da verdade foram e ainda são ultrajados; todos pioneiros da verdade foram e ainda são ultrajados; eles foram, e ainda são perseguidos. Mas eles pediram para a humanidade pagar o preço? Eles buscaram subornar o gênero humano para aceitar suas ideias? Eles souberam muito bem aquele que trocará por uma oferta mais alta.
     Bem e mal, castigo e recompensa, pecado e penitência, céu e inferno, é como o espírito móvel do Cristo- evangélico tem sido o empecilho na situação do mundo. Ele retém tudo através de ordens e comandos, mais ignora completamente as muitas coisas que nós mais precisamos.
     O trabalhador que conhece a causa de sua miséria que entende a maquiagem de nosso sistema social e industrial injusto pode fazer mais, por si e pelos seus, que Cristo e seus seguidores já fizeram para a humanidade; certamente podem fazer mais do que paciência, ignorância e submissão.
      Quanto mais exalto, mais benéfico é o individualismo extremo de Stirner e Nietzsche ao invés da atmosfera de confinamento de doentes da fé cristã. Se eles repudiam o altruísmo como um mal, é por causa do exemplo contido no cristianismo, que fixa um prêmio ao parasitismo e a inércia, que dá à luz a todas as formas de desordens sociais que serão curadas com a pregação de amor condolência.
     Personalidades orgulhosas e autoconfiantes preferem o ódio que o tal adoecido amor artificial. Não é por causa de alguma recompensa que um espírito livre decide por uma grande verdade, nem é do tipo que se afugenta por medo de castigo.
     “Não cuides que vim destruir a lei ou os profetas não vim ab-rogar (14), mais cumprir” (15).
     Justamente, Cristo era um reformador, sempre pronto para remendar, cumprir, continuar a velha ordem das coisas; nunca destruir e reconstruir. Isso pode explicar a simpatia que todos reformadores têm por ele.
      Realmente, toda a historia do estado, do capitalismo e da igreja prova que eles se perpetuaram por causa da ideia de que “ eu não vim destruir a lei”. Esta é a chave da autoridade e da opressão. Então, naturalmente, Cristo não elogiou a pobreza como uma virtude; ele propagou a não-resistência ao mal? Por que a pobreza e o mal não poderiam continuar dominando o mundo?
     Muitos como eu opostos a toda religião, muitos como eu acham-na uma imposição sobre e um crime contra a razão e o progresso. Eu, contudo, sinto que nenhuma outra religião tem feito ou ajudado tanto na escravização de homem como a religião de Cristo.
     Testemunhe Cristo antes de seus acusadores. Que falta de dignidade, que falta de fé nele e nas suas próprias ideias! Tão fraco e impotente era este “salvador dos homens” que precisa que toda a família humana pague por ele, por toda a eternidade, porque ele “morreu por nós”. Redenção pela cruz é pior do que a danação, por causa do fardo terrível imposto sobre a humanidade, pelo efeito que tem na alma humana, acorrenta e paralisa com o peso do fardo cobrado pela morte de Cristo.
     Milhares de mártires pereceram, contudo, algum sequer se demonstrou tão importante como o grande deus cristão. Milhares têm ido para a morte profunda nas suas ideias que Nazareno. Eles não esperam gratidão eterna dos seus próximos por causa do que eles suportaram por eles.
     Comparado com Sócrates (16)  e Bruno (17), com os grandes Mártires da Rússia, com os anarquistas de Chicago, Francisco Ferrer e inumeráveis outros, Cristo terna-se uma figura realmente pobre. Comparado com a delicada e frágil Spiridonova (18), que sofreu as mais terríveis torturas, as dignidades mais horríveis, sem perder a fé em si mesma ou em sua causa, Jesus é uma verdadeira nulidade. Eles mantiveram-se firmes e encararam seus executores com firme determinação e, entretanto, eles, que também morreram pelas pessoas, não pediram nada em troca do seu grande sacrifício.
     Na verdade, nós precisamos de redenção da escravidão, da fraqueza e da dependência humilhante da moralidade cristã.
     Os ensinos de Cristo e dos seus seguidores falharam porque faltou a vitalidade para tirar o peso dos ombros da raça; eles falharam porque a essência daquela doutrina é contraria ao espírito de vida, exposto através as manifestações da natureza, a força e beleza da paixão.
     Nunca poderá o cristianismo, debaixo de qualquer máscara que apareça – seja neoliberalismo, espiritualismo, ciência cristã, pensamento novo, ou mil e uma outras formas de histeria e neurastenia – trazer alívio da pressão terrível de condições, do peso, da pobreza, dos horrores de nosso sistema injusto. O cristianismo é a conspiração da ignorância contra a razão, da escuridão contra a luz, da submissão e escravidão contra a independência e a liberdade; a negação da força e da beleza, contra a afirmação da alegria e da glória da vida.

Notas

1) Publicado originalmente em 1913 no diário Mother Earth (NE)

2)Bruno Bauer (1809 – 1882) um “jovem hegeliano”, teólogo e filósofo alemão. Retiraram-lhe em Bonn em 1939 a nomeação de livre docente, em vista de haver posto em dúvida a existência histórica de Jesus, negado a caráter divino de sua pessoa e colocado a teoria da posterior elaboração dos livros chamados Evangelhos Segundo o monismo hegeliano, por ele professado, não podia admitir o cristianismo tradicionalmente praticado. Por último Bruno Bauer evoluiu numa direção politica mais liberal. Tomando-se mais moderado no final, passou a ser dito um hegeliano de duas fases (NE)

3) David Friedrich Strauss (1808 – 1874), filosofo da religião e teólogo alemão. Foi destituído a cátedra de livre docente na universidade de Tübingen por causa da publicação de seu livro “A vida de Jesus examinada criticamente”, em que aplicou aos Evangelhos e à vida de Jesus as teorias de Hegel. Sofreu uma forte reação do protestantismo oficial e de camponeses comandados por pastores protestantes. Rompeu claramente com a igreja, interpretando a Hegel materialisticamente, conforme à esquerda hegeliana, e assim também desenvolvendo sua filosofia da religião. A filosofia da religião de Strauss considera que a ideia religiosa, de acordo com Hegel, surge como um desenvolvimento do espírito objetivo; portanto, como um estagio dialético que o desenvolvimento do mesmo espírito do homem consegue superar. (NE)

4) Joseph-Ernest Renan (1823 – 1892). Filósofo e historiador, lembrado sobre tudo por seus estudos sobre a historia das religiões. Uma crise de fé, quando cursava o seminário em Paris, levou-o em 1845 a abandonar a Igreja Católica. Prosseguindo os estudos laicos, formou-se em filosofia e letras. O processo revolucionário de 1848 criou um ambiente de expectativas messiânicas que Renan interpretou como o inicio de uma nova religião. Em 1863 publicou “Vida de Jesus”, seu livro mais conhecido, em que humaniza Jesus e atribui o desenvolvimento do cristianismo à imaginação popular. (NE)

5) Thomas Paine (1737 – 1809), foi um politico inglês fervoroso, como fundo republicano, jornalista defensor da independência americana, herege por ir contra os dogmas da igreja e foi um dos signatários da “Declaração de Independência Americana”, participando ativamente de varias reuniões com os demais membros idealizadores. Sem o seu livro “A Era da Razão” atacou a religião organizada. (NE)

6) Novo testamento, Matheus 4:17. (NE)

7) Novo testamento, Matheus 5:3. (NE)

8) Novo testamento, Matheus 5:5. (NE)

9) Novo testamento, Matheus 5:6. (NE)

10) Novo testamento, João 12:8. (NE)

11) Novo testamento, Marcos 12:17. (NE)

12) Recompensa, prêmio, honraria, gloria. (NT)

13) Novo testamento, Matheus 5:11,12. (NE)

14) Anular, revogar, cessar a lei ou privilégios, suprimir, pôr fora de uso. (NT)

15) Novo testamento, Matheus 5:17. (NE)

16) Sócrates (470 a.c. – 399 a.c.), filósofo ateniense. Desempenhou alguns cargos políticos e foi sempre modelo irrepreensível de bom cidadão. Seus discursos e sua atitude crítica e irônica criaram descontentamento geral, hostilidade popular, inimizades criaram descontentamento geral, hostilidade popular, inimizades pessoais. Sócrates foi acusado de corromper a mocidade e negar os deuses da pátria, introduzindo outros. Foi declarado culpado e tendo que esperar mais de um mês a morte no cárcere, seu discípulo Criton preparou e propôs a fuga ao Mestre. Sócrates, porém, recusou, declarando não querer absolutamente desobedecer às leis da pátria. Morreu por envenenamento com cicuta. (NE)

17) Giordano Bruno (1548 – 1600), filósofo italiano. Frade dominicano na sua juventude, levou uma vida errante. À religião cristã opunha a religião da natureza. Nas religiões não astrologia nem na magia. Em 1592 foi preso pela Inquisição. Herege convicto, foi intimado a retratar-se das ideias sob pena de morte. Ao recusar, foi excomungado e expulso do seio da Igreja. Teve então um prazo de oito dias para confessar o seu erro. Não o fez, pelo que morreu na fogueira como apóstata, herege e violador dos seus votos religiosos (NE)

18) Maria Spiridonova (1885 – 1941), enfermeira, foi uma importante figura dos círculos revolucionários do inicio do século XX na Rússia. Foi detida em 1906 por assassinar um policial. Após sua prisão foi espancada, torturada e abusada sexualmente. Acabou condenada e enviada à Sibéria. Após sua Soltura voltou a atuar junto ao Partido Socialista Revolucionário. Foi presa em 1918 e enviada à Sibéria novamente, dessa vez pelos bolcheviques. Morreu fuzilada em 1941. (NE)

Extraído:
Titulo:Três Ensaios sobre religião
Autor: Emma Goldman
Editora: Index Librorum Prohibitorum
Pagina: 5 á 20
Ano: 2005

sexta-feira, 17 de maio de 2013

MAIS ALTO


Mais alto, muito mais... Sempre mais alto. Mais alto, corações!
Mais alto ainda!
E lá junto dos astros que eu exalto,
Vamos depor a nossa ideia linda!

Subamos, sempre, que subir não custa,
Quando a fé nos anima na subida...
E a nossa fé, tão pura e tão robusta,
Além de tudo, é Sol, é Pão, é Vida!

Que não se apegue a chama que em nós arde...
Luz, muita luz a iluminar o escuro,
Para podermos construir mais tarde
Um mundo novo, o mundo do futuro!

Subindo sempre, é muito nossa a palma,
É muito nosso o galardão bendito...
Subamos sempre e sempre com mais alma!
Subamos, meus irmãos, ao infinito!

E que, lá nas alturas que o sol doira
Fique o nosso Ideal, sonho profundo,
Como um padrão de glória imorredoira,
Como um farol a iluminar o mundo. (1)

(1). Poema de Aristides Ribeiro. Porto 1929

Extraído:
Titulo:  a resistência anarco sindicalista à ditadura portugal 1922 1939
Autor: Edgar Rodrigues
Editora: Sementeira
Pagina: 199 
Ano: 1981

DESEMPREGO E FOME


Não sei como viver!... O mundo de ambições.
Que vejo em minha frente, a escabujar na lama,
Tornou a vida intensa em um grotesco drama:
A luta colossal de checai e vilões...

A vida é toda-audácia de histriões,
No palco dum teatro horrendo que derrama
A bílis peçonhenta, a hediondez da fama,
Que goza o Deus-dinheiro, em cofres aos montões

Entrai na Sociedade, e só vereis brilhar,
O torno malandrim, herói do lupanar,
Da Bolsa e do Comércio, e da Morte e Rancor...

Que mundo tão atrós aos olhos de quem sente:
Triunfa nesta vida aquele que mais mente,
E não o coração a transbordar de Amor! (1)

(1). Desalento de A.Alves Pereira.

Extraído:
Titulo:  a resistência anarco sindicalista à ditadura portugal 1922 1939
Autor: Edgar Rodrigues
Editora: Sementeira
Pagina: 80 

Ano: 1981

domingo, 12 de maio de 2013

IRMÃS MARTINS: BELEZA REBELDE EM QUATRO ROSTOS DE MULHER


     São quatro musas amotinadas, produtos dos momentos mais afirmativamente revolucionários da luta de classes comandada pelos anarquistas no Rio Grande do Sul. Mulheres feitas de bronze e mel, filhas do povo que casaram com a causa libertária fortalecendo os laços de ternura humana que irmanavam os companheiros de caminhada. Espertirina, Eulina, Dulcina e Virgínia.
     Quatro momentos vestidos de grandeza da mulher gaúcha como agentes de transformação social, sensibilidade feminina abrindo as janelas do tempo, derrubando mitos e tabus, vanguarda de classe plantando as raízes de um novo amanhã. A referência aos seus nomes, aqui, ao lado de Malvina Tavares, Dorvalina Ribas e Ana Libonati Avenna – é uma homenagem ás mulheres que estão fazendo agora a sua parte, tecendo a sua historia.

1-Espertirina

     Corajosa e bela militante anarquista. Feminista. Oradora e conferencista. Natural de Legeado, onde nasceu em 1902. Era a mais jovem das irmãs Martins. Agitadora, atuou em Porto Alegre, Rio Grande, São Paulo (SP) e Campos (RJ). Foi aluna da Escola Moderna, onde também estudava seu futuro marido, Artur Fabião Carneiro, e, das irmãs, era “a mais intransigente do ponto de vista ideológico”, segundo seu sobrinho Marat Martins Budaszewski.
     Com apenas quinze anos, em 1917, carregava a bomba com Djalma Fettermann enfrentou a carga de cavalaria da Brigada Militar na batalha campal travada na Várzea, hoje Avenida João Pessoa, entre anarquistas e brigadianos, em janeiro desse ano. O confronto se deu durante o enterro de um trabalhador assassinado pela repressão. Espertirina levava essa bomba disfarçada dentro de um buquê de flores...
     “Morou com a irmã Eulina, esposa de Zenon de Almeida, em Rio Grande, onde participou de comícios, manifestações e passeatas, inclusive um encontro sangrento com as forças da repressão. Teve o curso primário completo, estudou violino, escrevia e era oradora ardente. Com Zenon, no prelo portátil, imprimia os panfletos e jornais revolucionários, distribuindo-os nas fabricas e bairros operários. De novo em Porto Alegre, já moça feita, tornou-se uma feminista convicta. Em 1925 foi residir com Eulina e Zenon em Campos (RJ), ligando-se novamente aos grupos anarquistas, quando promoveu reuniões e pronunciou conferências”.
     “Com a irmã Dulcina, que se havia casado com Djalma Fettermann, foi residir no Rio, na Ilha do Governador, Praia da Bandeira, aí casando-se com Fabião Carneiro, o qual logo a seguir foi trabalhar na empresa de publicidade eclética, em São Paulo. Nesta cidade ambos ligaram-se a Edgar Leuenroth, junto a quem prosseguirem nas atividades revolucionarias, até voltarem para Porto Alegre. Aqui, Espertirina veio a falecer em 22 de dezembro de 1942, em virtude das complicações de um parto prematuro e apendicite. Faleceu antes de completar quarenta anos, fiel às suas posições revolucionários.

2 – Eulina

     Eulina Reichenbach Martins era a mais velha das Irmãs. Aluna da professora Malvina Tavares, acabou se constituindo numa das mais combativas e radicais militantes anarco-sindicalistas do Rio Grande do Sul. Casada com Zenon de Almeida, atuou em pé de igualdade com este em Porto Alegre, Pelotas, Rio Grande e Santa Maria.
     Informa seu sobrinho Marat Martins Budaszewski que Eulina “auxiliava na impressão e distribuição de folhetos e jornais clandestinos. Participou de manifestações, comícios e encontros violentos. Ajudava na feitura da massa explosiva das bombas fabricadas por seu marido. Como temperamento, era a que mais se aproximava do tipo de caráter de Nino Martins. Tinha um Grande ódio de classe e desprezo pela burguesia”.
     Em Rio Grande – continua Marat – num encontro com a Brigada Militar, manteve-se na linha de fogo, remuniciando as armas. Nos momentos de perigo, entoava as canções anarquistas e iniciava à luta. Em Campos (RJ), prosseguiu na luta e aceitava com firmeza as inúmeras prisões de Zenon.
     Grande admiradora de Lênin, já viúva, em 1945, de novo com a família em Porto Alegre, aderiu ao Partido Comunista, do qual foi oradora militante e ativista, permanecendo convicta nas suas ideias revolucionarias até a morte, aos 77 anos. Aqui manteve contatos de amizade com velhos anarquistas, entre eles Gusmán, marmorista; Nalepinski, sapateiro; Luz Derivi; Orlando Martins e outros.

3 – Dulcina

     Dulcina Reichenbach Martins era dois anos mais velha que Espertirina, tendo nascido em Lajeado em 1904. Também aluna de Malvina Tavares. Conheceu Djalma Fettermann na Escola Moderna, onde este lecionava, e apaixonaram-se. Noivos, só puderem casar-se em Campos (RJ), na casa de Zenon, quando ela para lá seguiu, junto com Espertirina, em 1925, segundo Marat Martins Budaszewski.
     “Apoio Djalma em todas as suas lutas e perseguições – informa Marat – até quando, já com a família a Porto Alegre e ala ingressou no Partido Comunista, no período de legalidade, de 45 a 47. Foi uma militante a ativista ardorosa, tento um grande destaque na arrecadação de fundos para a imprensa popular. Viúva, mora no Rio de Janeiro, e de seus filhos um, que leva o nome do pai, fez curso superior na República Democrática Alemã e é, atualmente, dirigente na República Popular de Guiné-Bissau”.

4 – Virgínia

     Ardorosa militante anarquista. Sendo a segunda mais velha das irmãs, foi influenciada também pela professora Malvina e participou de inúmeros acontecimentos, dando muito apoio a Nino, quando esta se desempregava, em virtude das suas atividades politicas, muito frequentemente. Casou-se em 1917 e teve família numerosa, à qual se dedicou integralmente, embora sempre conservando suas ideias, até o surgimento legal do Partido Comunista, do qual se tornou uma simpatizante extremada, participando principalmente das campanhas de arrecadação de fundos financeiros. Grande admiradora de Prestes, morreu aos setenta anos, vítima de câncer, mais fiel aos seus ideais revolucionários.

Extraído do:
Os anarquistas do Rio Grande do Sul
Autor: João Bastista Marçal
Paginas: 107 á 110
Ano: 1995
Editora: Unidade Editorial Porto Alegre

sábado, 11 de maio de 2013

AMARELOS


     Epíteto francês para designar os fura-greves. Jaunes (amarelos) foi usado em 1901, em Monteau, por operários mineiros contra seus colegas que resolverão continuar o trabalho, abrindo-se nessa oportunidade uma cisão no seio da classe, com o nascimento do sindicato dos amarelos (Jaunes) que não tardiria a aliar-se aos católicos e políticos, tomando o caminho do reformismo. Na Espanha os fura-greves eram conhecidos por “esquirols”, em Portugal “fardetas” e amarelos e no Brasil por “krumiros” e amarelos.

Extraído:
Titulo:  ABC do anarquismo
Autor: Edgar Rodrigues
Editora: ACHIAMÉ
Pagina: 25 
Ano: 1976

AUTORITARISMO

     Atitude, comportamento dos autoritários, termo empregado nos meios operários pela primeira vez no Congresso de Haia, em 1872 (Quarto Congresso Internacional dos Trabalhadores), promovido pela Associação Internacional dos Trabalhadores. Pela posição radical e intolerante assumida por Karl Marx foi-lhe atribuído o comando do socialismo autoritário, corrente que nesse congresso provocou cisão no seio da 1.° A.I.T., ficando o grupo de que fazia parte Miguel Bakunine, James Guillaume e Eliseu Reclus com a denominação de socialistas libertários.

Extraído:
Titulo:  ABC do anarquismo
Autor: Edgar Rodrigues
Editora: ACHIAMÉ
Pagina: 25 
Ano: 1976

A LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA


     Todo o estado de consciência é um conjunto de qualidades inatas, instintivas, hereditárias, de educação, de influencias de família, do ambiente, fora e dentro do lar, da escola que frequentou, do meio social, politico, econômico e religioso a que se esteve submetido e no seio do qual se desenvolveu. A resultante de todas as percepções guardadas, das ideias adquiridas, dos sofrimentos e alegrias que lhe tocaram emocionalmente, deu ao homem consciência que só obedece a si mesma. Nenhum artifício pode fiscalizá-la!
     Segundo Clemente Rayer “pensar e crer livremente é um direito do homem incoercível, que escapa a todo o poder externo, mais do que isso, é uma função.”
     “Nem interesses, nem ameaças, nem autoridade, nem perseguições, nem carrascos, nem martírios, podem modifica-la, quando muito podem levar o homem consciente a mentir aos outros mas nunca a si mesmo.”

Extraído:
Titulo:  ABC do anarquismo
Autor: Edgar Rodrigues
Editora: ACHIAMÉ
Pagina: 63 
Ano: 1976

LIBERDADE


     Confunde-se muito pensamento de liberdade com sentimento de liberdade, e, no entanto, o primeiro tem a sua origem na cultura e o segundo é inato, instintivo, faz parte dos elos naturais da vida. O homem livre detesta a violência porque sabe que ela só gera ódio e, sobretudo, o firme propósito da desforra; detesta os sistemas governamentais de força, porque não acredita nas soluções estatais e tem consciência de que a liberdade é parte ativa do desenvolvimento do poder criador, constante evoluir para o aperfeiçoamento das sociedades e dos povos.
     A dignidade humana terá fatalmente de ser ponto central da organização social democrática, já que o homem é o centro fundamental dessa sociedade ao invés de massa, de elemento ausente na sua realização, obediente a interesses subjetivos.
     É a valorização do individuo que terá de promover imediatamente para que a liberdade possa existir em toda a sua plenitude!
     O homem só será livre à medida em que possa viver isento de todos os tipos de pressão: econômica, religiosa, politica, jurídica, moral, etc. Sem essa isenção, jamais estará vivendo livremente. Tanto do ponto de vista físico como intelectual, será sempre uma presa de fácil condução, um ser condicionável ás conveniências do “lideres”.
     Para a liberdade se tornar real, verdadeira, completa, o homem terá de se organizar uma sociedade que a seu tempo desenvolva em cada cidadão princípios capazes de criar direitos do homem; os direitos iguais na satisfação das necessidades vitais; os direitos iguais no gozo do que existe e se produz independente do esforço humano; os direitos iguais de trabalho; os direitos iguais de propriedade, encarada como síntese da reserva econômica; os direitos iguais de garantir e defender os seus próprios diretos!
     Eis o que se pode chamar liberdade!

Extraído:
Titulo:  ABC do anarquismo
Autor: Edgar Rodrigues
Editora: ACHIAMÉ
Pagina: 62 á 63
Ano: 1976

A REVOLUÇÃO


     A Revolução é um acontecimento de alcance ilimitado, em constante transformação, sempre e sempre evoluindo!!!
     A Revolução é antes de tudo uma ideia, um sentimento; é cultura; é trabalho e bem estar social distribuídos equitativamente por todos! A revolução principia nos cérebros, evolui livremente fundamentada numa filosofia de vida generosa e positiva, baseada em sentimentos e ações que equilibram atitudes e movimentos, na harmonia que junte a natureza e o homem, que conceba e prepare personalidades emocionalmente equilibradas, caracteres bem, formados, cidadãos justos, capazes de produzir, participar, dar e receber.
     Revolução é um estado de espírito, consubstanciado na liberdade responsável, no livre acordo, no apoio mútuo, na livre associação e na solidariedade humana. De sorte que a Revolução vale tanto quanto os homens que lhe abrem o caminho, que lhe dão curso! Processa-se partindo da natureza-princípio e fim de todas as coisas; evolui coordenação e administração do esforço manual e intelectual até alcançar o máximo da produção, da perfeição e da beleza. É um trabalho de todos em proveito de todos e de cada um!
     O homem é um animal sociável, um competidor permanente que rechaça por princípio os esquemas rígidos, absolutistas; constante aperfeiçoador que é sempre em busca do belo, do harmonioso, de estágios de justiça social; por isso, é também um Revolucionário potencial por excelência!
     A Revolução consciente, positiva, realista, só pode ter o homem-centro de todas as coisas, como a figura mais importante, o elo de ligação na nova sociedade que nasce, já que a Revolução é uma obra de todos e de cada um! Por conseguinte, Revolução equivale a desenvolvimento da capacidade da criatura humana. A Revolução consciente fomenta e desperta a grandeza de sentimentos, solidariedade entre povos, cultiva todos os dias o amor ao próximo e à humanidade, como se cultiva a saúde e a vida. Na sua marcha, a revolução visa à integração de sentimentos e ideias capazes de tornar homem cada vez melhor, mais tolerante, compreensivo e justo. Sua meta é a grandeza do indivíduo pelo aperfeiçoamento constante, do simples para o composto, até o atingir no grupo, na sociedade, no plano económico, social e humano, no plano intelectual e cultual.

Extraído:
Titulo:  ABC do anarquismo
Autor: Edgar Rodrigues
Editora: ACHIAMÉ
Pagina: 73 á 74
Ano:1976