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domingo, 26 de maio de 2013

FEMINISMO

     A palavra “feminismo”, de significação elástica, deturpada, corrompida, mal interpretada, já diz das reivindicações femininas.
     Resvalou para o ridículo, numa concepção vaga, adaptada incondicionalmente a tudo quanto se refere á mulher.
     Em qualquer gazeta, a cada passo, vemos a expressão – “vitorias do feminismo” – referente, ás vezes, a uma simples questão de modas.
     Ocupar posição de destaque em qualquer repartição publica, viajar só, estudar em escolas superiores, publicar livros de versos, ser “diseuse” ou “dictriz” divorciar-se três ou quatro vezes pelas colunas do “Para-Todos”, atravessar a nado Canal da Mancha, ser campeã de qualquer esporte – tudo isso constitui as “vitorias do feminismo”, vitorias que nada significam perante o problema humano da emancipação da mulher.
     E’ tática bem manejada pela civilização unissexual: enquanto as mulheres se contentam com essas vitorias, a sua verdadeira emancipação é posta de lado ou nem chega a ser descoberta pelos reivindicadores de direitos adquiridos.
     As verdadeiras reivindicações não podem limitar á ação caridosa ou a simples direito de voto que não vem, de modo algum, solucionar a questão da felicidade humana e se restringirá a um numero limitadíssimo de mulheres.
     Aliás, quando os homens de bem retiram-se, nem ostracismo voluntario, dessa politica de latrocínios oficializados, dessa bacanal parasitaria, desse despudor em se tratando dos negócios públicos; quando se decreta, positivamente, a falência, o descredito do parlamentarismo, do Supremo Tribunal, do Senado, de toda a maquina governamental de uma sociedade em plena decomposição – é agora que a mulher acorda e sai correndo atrás do voto, causa que deveria ter reivindicado há 200 ou 300 anos atrás... E supõe, ingenuamente ou maliciosamente, estar cuidando dos interesses femininos, dos interesses humanos.
      A mulher, deixando-se gostosamente explorar e certa de que, nesta civilização de escravos, ganha, cada dia, mais terreno, reivindicando direitos civis e políticos, convencida de que se bate pela mais justa das causas humanas, pela sua emancipação.
     Em que consiste a emancipação feminina? De que serve o direito politico para meia dúzia de mulheres, si toda multidão feminina continua vitima de uma organização social de privilégios e castas em que o homem tomou todas as partes do leão?
     De que vale o direito do voto para meia dúzia de mulheres no Parlamento, si essas mesmas continuam servas em uma ordem social de senhores e escravos, exploradores e explorados, patrões capitalistas e assalariados?
     Indaguemos do nosso caboclo, eleitor de qualquer cabo eleitoral, si o voto o emancipou, si a sua vida de trabalhador rude não o condena mais á geena de escravidão nas mãos do fazendeiro de café ou do senhor de engenho.
     E, desde o eleitor colono, moderno escravo social, até as mais altas dignidades politicas, todos são escravos, condenados, sufocados nas malhas da própria inconsciência, na ignorância cultivada através da imbecilidade humana, através da domesticidade milenar.
     Quem pode falar em emancipação feminina, em emancipação humana, dentro da lei, dentro da ordem social?
     Enquanto a mulher reivindicar direitos civis e políticos, se esquece de pugnar pelos verdadeiros direitos femininos que os direitos humanos: os de individuo, direito á liberdade, direito á vida, direito animal na escala zoológica.
     Por isso, é duplamente escrava: é escrava do homem e é escrava social com o seu companheiro, quer faça ele parte do proletariado, quer seja rei da industriam como Ford ou primeiro ministro, ditador, como Mussolini.
     Nunca a mulher andou mais errada do que quando pensou estar certa reivindicando os direitos políticos.
     Devolvo, desde já, os aplausos dos anti-feministas: o meu ponto de vista é absolutamente oposto, é muito individualista e ácrata.
     Não quero a mulher no “lar sagrado”, nem descanto a meiguice das dulcinéas sabidas, da casta Suzana... o lar da civilização-burguesa capitalista é uma pandega, e eu falo seriamente.
     Dói-me o coração ver a ignorância e o servilismo da mulher, instrumento do passado a serviço de uma sociedade de privilégios e que se apoia, ferozmente, na exploração do homem, nas guerras – cujas vitorias são ganhas a poder do álcool e do éter.
     Em uma época das mais decadentes, no meio de toda essa corrupção, quando os homens de Estado não descem mais porque não têm mais para onde descer, os que sobem se rebaixam, e os políticos profissionais vivem de negociatas fantásticas e tudo é cabotinismo e palhaçada, - é nesta época de dissolução que a mulher quer partilhar das responsabilidades na derrocada coletiva.
     Podemos afirmar que mais empenhadas nos direitos políticos são as que querem, para si, posições e dignidades, as que apoiam as suas pretensões vaidosas nas considerações sociais, as que falam banalidades e menos pensam em prol das suas companheiras de escravidão as que buscam o cenário mesquinho das glorias efêmeras, para exibições e cabotinismo.
     Ou dão a entender que tudo vae otimamente e que também elas fazem e questão de juntar a sua voz á  desintegração total e já estão desfibradas, domesticadas, já se fizeram politicas e, portanto, são capazes de todas as maroteiras dos nossos clown parlamentares, ou então, há na sua reivindicação de direitos políticos, ingenuidade lamentável, quixotesca: a de pretender concertar esta maquina desmantelada pela ação do tempo – implacável na destruição das velharias embalsamadas.
     Ou a mulher se fez politico, adquiriu á força de domesticidade e baixezas, a alma do politico e vae, desgraçadamente, pactuar com os pais da pátria no degenerar de todas as fibras do caráter nacional, ou, ingenuamente, pensa endireitar todo o mecanismo governamental desconjuntado pelo tempo, lutando contra moinhos imaginários, esquecendo-se de si mesma para seguir sonhos impossíveis e ideias utópicas, inteiramente no mundo da lua. Em conclusão: deixar-se-á plasmar ao contato das almas enlameadas dos que só pensam no ventre e para o ventre.

Extraído:
Livro: Amai e... não vos multipliqueis
Autor: Maria Lacerda de Moura
Editora: Civilização Brasileira
Pagina: 37 á41
Ano: 1932

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