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domingo, 12 de abril de 2015

O Culto da Cruz

     É sempre interessante o confrontar as crenças, costumes etc.,dos diferentes povos. Desse confronto, resulta uma elucidação, um esclarecimento, uma utilidade em suma.
     Desde remotíssimas eras que o homens têm rendido culto à cruz.
     Os cultos são, em regra, mas ou menos destinados a manter, na mente humana, a memória de qualquer fato social importante que, de outra maneira, facilmente esqueceria.
     Algumas vezes os cultos, certos cultos, não se referem a verdadeira utilidades sociais, mais sim as vantagens particulares de casta ou seita. Esses só terão só terão influência na sociedade enquanto durar a da casta ou seita; influência temporária, é bem de de ver; influência apenas de exterioridades, que não de sentimento ou consenso unânimes.
     De outra vezes, os cultos, embora prestados a verdadeira utilidades sociais, quebram o seu prestigio e potência quando já não tem razão de ser, por já não poderem servir estas utilidades e o progresso das idéias haver dado às massas outros objetivos.
     As religiões desempenham um papel útil às sociedades numa época em que a mentalidade das massas alimentava essencialmente da fantasia e a rudez da sua inteligência não suportava, por seres incompreensíveis ou não terem ou não terem seus olhos, prestigio suficiente, os processos explicativos sob a forma cruamente cientifica. Era sobre tudo necessário falar-lhe à imaginação e desta necessidade proveio o simbolismo que caracteriza as religiões. Por intermédio das cerimônias culturais se fixaram os primeiros conhecimentos ciêntificos e artísticos, bom como a descobertas industriais. O aparato dessas cerimonias faria a imaginações dos povos como hoje ainda sucede com todas as manifestações espetaculosas ( e tanto mais grandiosa forem). O o povo sempre apreciava muito aspecto teatral de certas solenidades.
     Assim o culto de Ceres, o culto do touro Apis, o culto do deus Martelo, etc. etc., eram, ao mesmo tempo que a glorificação da agricultura, do touro negro como ótimo para os trabalhos do Campo, da Metalurgia etc., o modo de infundir respeito e amor por essas conquistas do gênio humano. Os templos de Sérapis, de Esculápio e outros gênero, alimentavam os mesmos sentimentos para com a Medicina.
     Desde amor e respeito, resultava o desejo de maior cultura e desenvolvimento das ciências e industrias e maior afã em não perder os bens já alcançados.
     Mas, quando a classe sacerdotal, envolvendo no denso véu do mistério todas as descobertas, todos os processos do saber; e de cada vez mais espesso tornando esse véu para limitar a um reduzido número de iniciados os conhecimentos e bens obtidos, começou a sair do santuário para influir diretamente nos destinos dos povos, as religiões perderam o caráter primitivo  de utilidade publica; tornaram-se improgressivas; pretenderam limitar os povos num cinto férreo de preconceitos ancestrais; visaram cristalizar a sociedade nos moldes antigos e degeneraram num meio perigoso de escravização social.
     Ora a cruz teve um culto quase pode dizer universal, desde a idade da pedra. E por quê? Porque ela era o simbolo de uma importante descoberta do homem primitivo; descoberta que foi para a humanidade, verdadeiramente, a sua salvação, a sua redenção.
     Essa descoberta que foi a do processo de se obter fogo; e a cruz era a imagem do instrumento que serviu para produzir o lume.
     Pode-se fazer uma ideia aproximada - hoje que a civilização nos tem cercado de tanto  conforto e beleza, fechando, é claro, os olhos de muita miséria e hediondez - do que seria a vida do homem Pré-Histórico, rodeado de perigos de todo o gênero, perseguido pelas feras, vivendo ao relento, alimentando-se do produto de caça e da pesca, das raízes do frutos silvestre, passando um longo período de penúria nas épocas de esterilidades, ignorando os prazeres da cozinha, não podendo aquecer se não ao sol quando havia, suportando a inclemência dos longos invernos; açoitado pelas tempestades, lapido, pelo granizo, tendo por únicas armas de defesa o pau e a pedra, e por único abrigo, quando era possível, a caverna disputando aos animais ferozes.
     Imagine-se, pois, o que teria sido para o homem dessas eras remotas, o prodígio da descoberta em questão! Como a vida lhe transformou! Como os horizontes se lhe alargaram! E como se pode afirmar, com razão, que essa descoberta representa o resgate da humanidade da vida precária e inferior que se vivia nesses recuados tempos.
     Natural foi, portanto,que o homem pré-histórico tomasse o fato como um bem celestial; que lhe rendesse culto por isso; porquanto, na sua tendência animista, ele haveria de ver, no maravilhoso da descoberta e na forma misteriosa como um lume brotava, a a influência de deuses ocultos ou da "alma" benfazeja das coisas que pôs em jogo.
     Hoje, que nos orgulhamos da nossa civilização; que basta um simples riscar de um fosforo ou num mero banal mover de um botão elétrico para obtermos luz e calor que fartem, não deixa de impressionar a algumas pessoas que, de dois pedaços de madeira, esfregados um pelo outro, possa brotar faísca redentora.
     Efetivamente, por mais estranho que pareça, foi pela fricção de dois paus que o homem era da pedra polida, conseguiu produzir fogo.
     O fato está plenamente averiguado, não só porque ainda hoje alguns povos como os bosquimanos ou os canacas por exemplo, se servem desse progresso, mas também consta dos momentos pré-históricos nos quais se vêem gravadas, na pedra, as imagens dos instrumentos primitivos já aperfeiçoado pelo progresso.
     Os primitivos produziam fogo, esfregando o pau numa cavidade escavada noutro, para o que faziam girar rapidamente entre as palmas das mãos como bate chocolate. Um dos paus era curto e de madeira macia ao passo que o outro comprimido e rijo. A disposição para o manejo afetava a forma de um T, como era de prever; e foi esta, realmente, a primitiva figura cruz.
     Com os aperfeiçoamento produzidos, o Tau inicial modificou-se na cruz gamada - isto é: os dois paus eram cruzados e cada um revirado nas extremidades em sentido oposto. Desta maneira podia-se fixar em qualquer superfície, a cruz, pregando quatro cravos, juntos ao vértice de cada ângulo interno das referidas extremidades. No ponto do cruzamento, escavava-se uma cavidade, dentro da qual girava um terceiro pau em posição perpendicular à superfície. Para fazer revolutear este pau, passava-se em torno de uma volta ou duas de uma corda presa a uma superfície de arco de rebecão ou de besta  e imprimia-se movimentos de vaivém ao mesmo arco como quem toca rabecão. O resultado era um pau girar rapidamente dentro da cavidade se despunham untadas de óleo, auxiliando-se a ativando-se a combustão com o sopro.
     Esta nova disposição do instrumento de produzir o lume, em forma de cruz gamada é a suástica, cuja a imagem também se vê gravada nos monumentos de cultos dos povos da Antiguidade e bordada ou desenhada nas vestes dos sacerdotes desse tempo.
     Na idade do bronze, aparece a imagem da suástica gravada em grandes números de vasos antigos de Tróia, e Rodes, de Chipres, da Grécia, da Itália. E note-se como altamente elucidativos: milhares de ano depois, na era do cristianismo, a mesma suástica se encontra na túnica de um coveiro cristão das catacumbas de S. Calisto em Roma.
     O culto da cruz, quer Tau, quer gamada, remonta, como já se disse, à mais alta Antiguidade, muitos antes da época em que se diz ter vivido Cristo.
     Os templos de Benaris e de Mutra, no Industão, tinham a forma de uma cruz do comprimento de 1.500 metros.
     Seiscentos anos de viver Cristo, já a religião búdica consagrava a suástica. No peito de uma estatueta de Buda ou Çakia-Muni, fundador do budismo aparece gravada na figura deste instrumento.
     Na Coréia, um marco em forma de cruz latina, tendo na parte inferior grosseiramente esculpido um rosto humano, encarna o "espirito" protetor dos campos.
     No Egito, o sinal da cruz é antiquíssimo. Grande parte dos monumentos, os vasos consagrados às cerimônias religiosas, as vestes sacerdotais ou guerreiras adornam-se frequentemente com a cruz gamada - a suástica. Aparece também nas mãos das divindades egípcias, amiúde tendo a forma de cruz ansata - isto é: cruz grega cujo uns dos ramos fosse munido de um anel ou ansa, pelo qual lhe pega a divindade.
     No México, os templos de Palanque eram consagrados ao culto do fogo, cujo o símbolo era a inseparável cruz.
     No Fenícia, a deusa Astarte (a Vênus) era representada com um cetro na mão encimado por uma cruz.
     Os Índios, nas suas danças sagradas, ostentavam um emblema que no meio do circulo radiante (Sol) tinha uma cruz suástica, simbolo do fogo.
     Em altares gaulês da Antiguidade se vê também gravada a suástica e na estátua de um deus gaulês aparece também, como sinais hieráticos, a suástica a cruz simples, grega ou latina.
     Cerca de 1300 anos antes de Cristo, os sete chefes diante de Tebas, capital da Beócia na Grécia,(não confundir com Tebas do Egito) levavam como insígnia a cruz sobre o disco solar.
     Num momento consagrado a Mercúrio aparece ainda a cruz. Vêmo-la também nos ornatos de Baco (outro deus pagão) bem como veste do deus Apolo.
     Numa pintura a fresco em Herculano vê-se o Amor conduzindo Diana ao encontro de Endimião, o pastor amado. O cupido tem no alto da cabeça a cruz como símbolo do fogo, do ardor amoroso que abrasa o coração...
     Em Pompéia também o jovem deus é adornado com a cruz na cabeça; sinal que também aparece na cabeça dos sacerdotes pagãos.
     E não quero falar no significado da coroa aberta na cabeleira dos nossos padres... pelo menos agora.
     Seria interminável a enumeração das provas de quanto o culto da cruz é muito anterior à religião cristã que não fez mais do que adotá-lo e adaptá-lo às necessidades místicas do seu credo.

Enesto Gil
(Novembro de 1929, Revista A Aurora. Porto, Portugal)

Extraido:
Livro: UM SÉCULO DE HISTORIA POLITICO-SOCIAL EM DOCUMENTOS II
Autor: Edgar Rodrigues
Paginas:51 á 54
Ano:2007

Editora: Achiámé

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