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segunda-feira, 15 de maio de 2017

NADA DE AUTORIDADE (Proudhon)

     A idéia capital, decisiva, desta revolução não é, com efeito: nada de autoridade, nem na Igreja, nem no Estado, nem na terra, nem na riqueza?
     Ora, nada de autoridade, isso quer dizer o que nunca se viu, o que nunca se compreendeu, harmonia do interesse de cada um com o interesse de todos, identidade da soberania coletiva e da soberania individual.
     Nada de autoridade! Isto é, dívidas pagas, servidões abolidas, hipotecas revogadas, arrendamentos reembolsados, despesas de culto, da Justiça e do Estado suprimidas; crédito gratuito, troca igual, associação livre, preço regulamentado; educação, trabalho, propriedade, domicílio, bons negócios, garantias; nada de antagonismo, nada de guerra, nada de centralização, nada de governos, nada de sacerdotes. A sociedade não saiu esfera, funcionando numa posição invertida, de perna para o ar?
     Nada de autoridade! isto quer dizer novamente o contrato livre em vez da lei absolutista; a transação voluntaria em lugar da arbitragem do Estado; a justiça equitativa e recíproca em lugar da justiça soberana e distributiva; a moral racional em vez da centralização politica. Ainda uma vez mais, não é efetivamente o que eu ousaria chamar uma conversão completa, uma volta sobre si mesma, uma revolução?
     Que distância separa estes dois regimes, pode-se julgar isso pela diferença de seus estilos.
     Um dos momentos mais solenes, na evolução do princípio de autoridade, é o da promulgação do Decálogo. A voz do anjo comanda o povo, prostrado ao pé do Sinai:
     Adorarás o Eterno, Diz-lhe ele, e nada senão o Eterno;
     Não jurarás senão por ele;
     Celebrarás suas festas e lhe pagarás o dizimo;
     Honrarás teu pai e tua mãe;
     Não matarás;
     Não roubarás de modo algum;
     Não fornicarás;
     Não cometerás nada de errado;
     Não serás invejoso e caluniador;
     Porque o Eterno ordena e é o Eterno que fez o que tu és. Somente o Eterno é soberano, sábio, digno; o Eterno pune e recompensa, o Eterno pode te tornar feliz ou infeliz.
     Todas as legislações adotaram este estilo, todas, falando para o homem empregam a fórmula soberana. O hebreu no futuro, o latim no imperativo, o grego no infinitivo. Os modernos não fazem de outro modo: (...) quelquer que seja a lei, de querquer boca que parta, ela é sagrada, visto que foi pronunciada por esta trombeta fatídica que estre nós é a maioria.
     "Não te reunirás;
     "Não imprimirás;
     "Não lerás;
     "Respeitarás teus representantes e teus funcionários que o acaso do escrutínio ou arbítrio do Estado há de te dar:
     "Obedecerás às leis que sua sabedoria há de fazer;
     "Pagarás fielmente o orçamento;
     "E amarás o governo, teu senhor e teu deus, com tua devoção, com tua alma e toda tua inteligência; porque o governo sabe melhor do que tu o que tu és, o que vales, o que te convém e ele tem o poder de te punir aqueles que desobedecem a seus desígnios, como o de recompensar até a quarta geração aqueles que são agradáveis".
     Ó personalidade humana! É possível que durante sessenta séculos tu tenhas te corrompido nesta abjeção! Tu te dizes santa e sagrada e não és senão a prostituída, infatigável, gratuita de teus lacaios, de teus monges e de teus velhos soldados. Tu o sabes e o sofres! Ser governado é ser guardado à vista, inspecionado, espionado, dirigido, legiferado, regulamentado, depositado, doutrinado, instituído, controlado, avaliado, apreciado, censurado, comandado, por outros que não têm nem o titulo, nem a ciência, nem a virtude.
     Ser governado é ser, em cada operação, em cada transação, em cada movimento, notado, registrado, arrolado, tarifado, timbrado, medido, taxado, patenteado, licenciado, autorizado, apostilhado, admoestado, estorvado, emendado, endireitado, adestrado, espoliado, explorado, roubado; depois, à menor resistência, à primeira palavra de queixa, reprimido, corrigido, vilipendiado, vexado, perseguido, injuriado, espancado, desarmado, estrangulado, aprisionado, fuzilado, metralhado, julgado, condenado, deportado, sacrificado, vendido, traído e, para não faltar nada, ridicularizado, zombado, ultrajado, desonrado. Eis o governo, eis sua justiça, eis sua moral! E entre nós democratas que pretendem que o governo prevaleça; socialistas que sustenta esta ignomínia em nome da liberdade, da igualdade e da fraternidade; proletários que admitem sua candidatura à presidência da República! Hipocrisia!... Com a revolução é outra coisa. A busca das causas primeiras e das causas finais é eliminada tanto da ciência econômica como das ciências naturais.
     A ideia de progresso substitui, na filosofia, a do absoluto.
     A revolução sucede à revelação.
     A razão, ajudada pela experiência, explica ao homem as leis da natureza e da sociedade; depois ele diz:
     Estas leis são da própria necessidade. Nenhum homem as fez; nenhum te as impõe. Elas foram descobertas pouco a pouco e eu existo senão para dar-lhe testemunho.
     Se tu as observas, serás justo e bom, se tu as violas, serás injusto e mau. Eu te proponho outra razão (...) tu és livre de aceitar ou de recusar.
     Se tu recusas, fazer parte da sociedade dos selvagens. Fora da comunhão de gênero humano tu se tornas suspeito. Nada te protege. Ao te bater, sem incorrer noutra acusação senão a de sevícias inutilmente exercidas contra um bruto.
     Se tu juras o pacto, ao contrário, tu fazes parte das sociedade dos homens livres. Todos os irmãos se comprometem contigo, te prometem fidelidade, amizade, segurança, favor, troca(...).
     Eis todo o contrato social.

Livro: A Propriedade é um Roubo
Autor: Pierre Joseph Proudhon
Editora: L&PM Pocket
Páginas: 96 á 99
Ano: 2008

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